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Canquelifá, a última operação dos Comandos Portugueses na guiné. História da herança da Nação


Trigésima Oitava Companhia de Comandos - Guiné 1972 - 1974 for Facebook for Twitter

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OPERAÇÕES DA 38ª COMPANHIA DE COMANDOS

GAMPARÁ 38ª COMPANHIA DE COMANDOS

A actividade operacional desenvolvida pela companhia foi intensa no que toca a patrulhamentos planeados de forma a evitar que os guerrilheiros pudessem destruir o nosso objectivo que era de manter sob o nosso controlo as populações desta zona da Guiné. Assim se estivéssemos com falta de cerveja, a lancha trazia granadas e munições e vice-versa. Sobre tudo isto pesava um anacrónico sistema de abastecimento por via fluvial que normalmente nos enviava como prioridade aquilo de que não necessitávamos. Posso recordar que quase todos os dias enquanto lá permaneci houve que evacuar alguém. Dei pois uma ideia da qualidade deste “resort”, e da forma como logo no início da comissão nos proporcionaram uma situação que teve como principal efeito dar-nos cabo do canastro, até pelo tempo excessivo, comparando com as forças anteriores em que aí nos mantivemos. Quem tem amigos não morre de fome…. A outra companhia de Paras há que esclarecer que ao tempo pertenciam à Força Aérea estavam aquartelados na Base Aérea de Bissalanca no mesmo local que os aviadores, era fácil cada vez que se deslocava um heli a Gampará, ou passava perto, levar carne fresca ou mesmo peixe. É claro, dá para perguntar se nós éramos uns turistas muito esquisitos visto que pelo menos duas companhias de Tropa Especial já tinham estado no mesmo local e nas mesmas condições? A última era como já disse a 2ª de CCAfricanos, naturais da província, desde que tivessem arroz que chegasse para eles, mais às bajudas e aos filhos estava tudo bem, adaptação natural. O 3º prato era a celebre massa com chouriço e por último tínhamos a feijoada com cabeça de porco, muito apropriada para o calor que se fazia sentir. As alternativas eram o prato de Domingo que consistia em ervilhas de lata, fiambre da mesma origem e ovos escalfados, estes com o sabor que era comum em toda a Guiné, mesmo nos restaurantes em Bissau e que sabiam e cheiravam a “fénico”, levando a que em muitos lados se usava o ovo em pó. Contrariamente ao bacalhau que apodrecera sem ser consumido em Mansoa, este vinha devidamente embalado em caixas herméticas de folha, de uma qualidade pequena e com uma textura em tudo semelhante à madeira com que se fazem as caixas para os alimentos. Era dar uma dentada e se não tivéssemos visto que era bacalhau julgávamos que estávamos efectivamente a trincar uma farripa que logo jogávamos fora. Depressa descobrimos que no máximo haveria 4 ementas e uma delas era o bacalhau à espanhola, que rapidamente foi baptizado “à Gampará” pois em pouco tempo passou a ser detestado por todos. Desde cedo vimos que adir á Companhia de Artilharia não tinha sido a melhor opção especialmente no aspecto alimentar. Como não havia pista e a Marinha só passava de 15 em 15 dias, era o helicóptero que funcionava para evacuar o pessoal cuja capacidade a nossa enfermaria não conseguia resolver. Claro que desde o 1º dia começamos a ter pessoal de baixa com os mais estranhos sintomas, muitos relacionados com problemas de pele e quase sempre acompanhados de febre. A água com que vivíamos era retirada da bolanha em bidões e os cantis davam uma ajuda para lavar a cara e barbear. Pois de alojamento estamos conversados. No quartel/tabanca depressa me habituei a dormir debaixo de uma manta da tropa, protegido por um mosquiteiro e com 2 Lion Brand, 1 à cabeceira e outro aos pés, a queimar toda a noite, não importava o calor que fizesse. Resultado nem pensar em dormir e como também não podíamos mexer muito sob pena de alertamos guerrilheiros que estivessem próximo, imaginem a tortura. Era um tormento, mal a luz do dia desaparecia, chusmas de mosquitos saíam do capim e abatiam-se sobre nós e durante toda a noite para além das picadas capazes de penetrarem a lona das botas, rodeavam a nossa cabeça fazendo aquelo ruído que nos faz lembrar as brocas dos dentistas e que muitas vezes parece que ainda estou a ouvir. "... Era um tormento, mal a luz do dia desaparecia, chusmas de mosquitos saíam do capim e abatiam-se sobre nós e durante toda a noite para além das picadas capazes de penetrarem a lona das botas, rodeavam a nossa cabeça fazendo aquelo ruído que nos faz lembrar as brocas dos dentistas e que muitas vezes parece que ainda estou a ouvir. ..." Nas primeiras noites que passamos nesta zona se não fosse penoso daria para rir, ver o pessoal com as testas e cabeças deformadas pelas picadas. Pessoalmente para combater esta ameaça na primeira vez que regressei de férias à metrópole, encomendei na luvaria Monteiro da Arcada (Braga), uma luvas tipo Búfalo Bill e numas bombas de Gasolina, descobri o stick Tabard um excelente e efectivo repelente para a mosquitada, pois o fornecido pelo Laboratório Militar era uma autêntica compota para tão insocial animal. As casas não tinham portas nem janelas (sacos faziam de cortinados para tapar a luz e impedir a entrada de bicharada), a propósito depressa descobrimos que os mosquitos daqui conseguiam ser muito mais bravos dos que já conhecíamos de Mansoa, tornando-se mesmo na classe mais elevada em termos de comparação. "... As casas não tinham portas nem janelas (sacos faziam de cortinados para tapar a luz e impedir a entrada de bicharada), a propósito depressa descobrimos que os mosquitos daqui conseguiam ser muito mais bravos dos que já conhecíamos de Mansoa, tornando-se mesmo na classe mais elevada em termos de comparação...." Como devíamos providenciar segurança, a linha de casas periférica estava destinada aos militares europeus. Pois bem a aldeia era um quadrilátero de casas feitas de adobe e cobertas por chapas (zinco?). Devo esclarecer que no tocante à alimentação tínhamos a nossa própria ementa, como veremos. Quando agora vejo o National Geografic , continuo sem entender tanto entusiasmo em compartilhar alojamento e alimentação tribal que os protagonistas de certas séries científicas demonstram. Depois aos poucos fomos vendo que iríamos viver nas mesmíssimas condições em que uma tabanca vivia. Á primeira vista não deu para tirar grandes ilações nem com isso íamos preocupados. Ali fomos recolhidos pelas viaturas da companhia, salvo erro de artilharia, de quem iríamos receber apoio e seguimos viagem por 3/4 kms até ao local que nos iria servir de tecto durante cerca de 3 meses. O “navio” abicou de frente na margem de modo a facilitar o descarregar de material e viaturas que seguiu connosco. Navegamos no Geba e de seguida no Corubal (não são o mesmo rio?) e chegados á ponta da península do grande dedo apontado a norte, ladeado pelos dois rios e que dá pelo nome de Gampará. Podemos dizer que a viagem decorreu sem incidentes dentro daquela banheira muito grande destinada ao transporte de tropas e todo o tipo de material especialmente o auto. Já lá vamos. Mas histórias de bacalhau não acabam aqui. Acabaram por ser os fundos particulares que pagaram o prejuízo. Vejam como uma decisão a montante põe em cheque a administração no terreno. Neste caso o auto acabou por ser aprovado dando razão à companhia, mas vá se lá a saber porquê a companhia foi mandada pagar o prejuízo. Como tal não era possível a solução apresentada era fazer um auto, solução que era atendida quando por exemplo o depósito tinha o azar de levar com uma morteirada em cima. Dá para ver que o bacalhau entrou no depósito representando uma determinada quantia em dinheiro, apenas podendo ser abatido ou por cedência a outro depósito ou pela justificação do conveniente número de refeições consumidas confeccionadas com o dito. Os géneros eram adquiridos à Manutenção Militar ou em recursos locais, davam entrada no depósito de géneros e conforme as presenças iam saindo os diferentes artigos para confeccionar as refeições havendo o cuidado de tentar manter o equilíbrio dos 30 escudos diários por cabeça, o que até não era difícil. A companhia geria a verba de acordo com o número de militares presentes, apresentando as contas mensalmente. Faço aqui um parêntese para explicar como funcionava o “Rancho”: cada militar tinha uma verba diária para alimentação que salvo erro rondava os 30 escudos. Que não tivera culpa pois não adivinhava que nos iríamos mover com aviso prévio tão curto. Se o vague mestre não se apercebeu desta situação ou se o Batalhão não tinha capacidade para consumir mais aquela quantidade o certo é que numa das minhas ligações rádio apareceu-me o vague mestre, todo choroso a dizer que o bacalhau se tinha deteriorado. Não sei o que se passou. Tudo foi feito em conformidade excepto com o bacalhau que na metrópole é normal ser de longa duração mas que aqui, por via do calor e da humidade caso não seja consumido rapidamente se estraga. Como tal não aconteceu dei instruções para que negociassem com o Batalhão para lhes passarmos os géneros que o pessoal que ficou em Mansoa não iria consumir em tempo útil, pelo menos os perecíveis. Como tivemos um curto prazo de aviso face á nossa mudança de situação, tivemos que gerir com cuidado os géneros que tínhamos requisitado na perspectiva de continuarmos mais tempo em Mansoa. Através do rádio ia tendo noticias” on-line” do que ali se passava e uma das primeiras que me chegou não foi nada do meu agrado. Para trás ficara Mansoa e um tipo de vida sobre terra a que estávamos mais habituados. Era normal que militares fossem mandados seguir aos seus destinos em barcos chamados Nh’mingas, usados em movimentos comerciais pelos nativos. O que quer dizer que boa parte dos reabastecimentos e dos movimentos de pessoal seguiam esta via. Deu para conhecer outra realidade da Guiné e que até aí nos tinha passado ao lado, é que boa parte das comunicações na Província eram feitas através dos rios. LDG Alfange - 101 O transporte foi na LDG Alfange, a partida às 09h00 de 15 de Agosto. Partimos de Bissau, do local onde estavam atracados os navios da Armada. Mas vamos ao relato da viagem. Decididamente foi o pior sítio onde estive no que toca a condições sanitárias e de apoio logístico. "... Decididamente foi o pior sítio onde estive no que toca a condições sanitárias e de apoio logístico...." Seguiu-se a construção de um ”reordenamento” em que estava empenhada a companhia TN reforçada por uma companhia de Tropa Especial para o caso do inimigo resolver complicar esta acção. Tudo isto porque numa remodelação do dispositivo e numa tentativa de subtrair populações à influencia do PAIGC, fora meses antes decidido ocupar esta região para o que se montou uma verdadeira operação anfíbia á semelhança dos desembarques dos “marines” no Pacifico. Importa dizer que íamos substituir no local a 2ª Companhia de Comandos Africanos e daí me ter apercebido que esta era uma missão rotativa por onde já teria passado pelo menos uma companhia de Paras. Comigo iria apenas um pequeno módulo que nos permitisse viver em Gampará pois decidimos que o melhor seria adir a uma companhia de tropa normal que estava lá instalada. Face aos elementos recolhidos tomei a decisão de levar apenas a componente operacional da companhia deixando para trás grande parte da formação sob o comando do meu Adjunto. Pois que a mensagem era extraordinariamente sintética: “a companhia segue para Gampará na LDG …. Em 15de Agosto” e “punto”. A rapaziada nos “mentideros” recebeu a mais variada desinformação e eu pelas vias normais colhi os elementos que me podiam ajudar a tomar uma decisão. Foi pois como que um martelo nos batesse na cabeça quando lemos a segunda parte da mensagem. Pobrezinhos sentíamo-nos orgulhosos da nossa remodelada casa. Até aí nunca tínhamos ouvido falar de Gampará e até estávamos convencidos que iríamos passar muito tempo em Mansoa pois a outra companhia de comandos Europeia estava em Teixeira Pinto no chamado Chão Manjaco e estava a dar bem conta de si apesar do comandante de companhia ter sido gravemente ferido e evacuado. Já tínhamos os símbolos “Comando” no refeitório, no bar etc. Dá para entender que nos fomos familiarizando com este cenário e era com entusiasmo que tínhamos pedido cimento e materiais à engenharia e começamos a reorganizar a parte que nos coube do quartel. O cine esplanada, o tasco da libanesa, o restaurante do Simões da Mealhada que nos confins do mato nos oferecia comida portuguesa de excelente qualidade e a casa do administrador Guerra (natural de Bragança), compunham o ramo daquilo que podíamos chamar de civilização, além disto, o quartel com instalações razoáveis e para lá do asfalto, as várias tabancas agrupadas segundos as respectivas etnias. Que me lembre um quadrilátero delimitado por 4 ruas asfaltadas definia a zona europeia desta vila/cidade no coração dos Balantas. A habituação foi fácil. Naquele mês e meio que levávamos de Mansoa e “arredores” já nos estávamos a habituar à terra apesar do calor e dos mosquitos. Confesso que foi uma surpresa de que não estava à espera. A 11de Agosto de 1972 recebemos a mensagem para seguirmos para Brá para a cerimónia de imposição dos crachás e que na alínea 2 nos mandava em 15 de Agosto para Gampará. Relato feito a partir das memórias do Capitão Comando Pinto Ferreira 15 de Agosto a 2 de Novembro 1972

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