ERROS E FRACASSOS DA ERA POLÍTICA
ERROS E FRACASSOS DA ERA POLÍTICA
Meus Senhores:
Tomou posse nova Comissão Executiva da União Nacional e eu dispenso‑me de louvar os que saem e de apresentar os que entram. Embora coisa devida e justa sabe-se que é sempre assim, o que tira às palavras parte do seu valor. Peço‑lhes por isso desculpa que me será concedida, havendo coisas de alguma importância a dizer.
I
A reorganização faz-se num ano crucial da vida política, não porque terminem as guerras do Ultramar, pois que os inimigos que as fazem e os que as sustentam, declaram, quererem continuar a perturbar a vida e o trabalho alheios; não porque tenha de haver eleições de deputados; ainda que relevantes como são sempre; mas especialmente porque novo corpo eleitoral tem de reunir-se para escolha do chefe do Estado[ e de toda a Nação portuguesa. Seja qual for a evolução dos acontecimentos, não pode haver dúvida de que é nos sete anos a seguir que por imperativos naturais ou políticos se não pode fugir a opções delicadas, e, embora não forçosamente a revisões, à reflexão ponderada do regime em vigor. E é nas mãos do chefe do Estado que virão a pesar as maiores dificuldades e da sua consciência que dependerão as mais graves decisões.
O que é um regime político? Um regime político é a definição dos órgãos da soberania, do modo como se constituem, participam do poder e colaboram para o bem comum da sociedade civil. É também a enumeração daqueles direitos que as leis hão-de respeitar no homem e, no nosso caso, ainda a enunciação de princípios morais, sociais e económicos que se julgam úteis para dar estabilidade à vida do conjunto humano e imprimir à vida nacional uma finalidade. O que quer dizer que um regime pode ser também uma política e não apenas uma constituição. O nosso é uma coisa e outra.
Ora nós quisemos dar ao país, assolado pelas devastações da sua anarquia, um regime novo; mas muitos dos nossos homens públicos, educados na filosofia política do século XIX, têm-nos considerado sempre um governo à espera de eleições «livres» para uma «assembleia constituinte» que vote «nova Constituição» e com ela garanta ao povo «todas as felicidades». De modo que se verifica o seguinte: abolidas neste País as instituições tradicionais, não se encontra de 1820 a 1926, através das Constituições, Carta Constitucional e Actos Adicionais à Carta, entre revoluções, golpes de Estado, ditaduras ou vida constitucional, não se encontra regime, dizia, de que possa afirmar-se ter vivido ao menos os quarenta anos que para o ano perfaremos. Ao mesmo tempo, nenhum foi tão estável, tão pacífico e eficiente como o actual. E daí provir o absurdo de o provisório ser mais duradouro que o definitivo e o temporário mais estável que o consagrado para a eternidade.
A mim o que mais me admira é não se haver estudado a razão desta sorte de contra-senso. A vida das sociedades humanas está sujeita a evolução, embora mais lenta do que geralmente se cuida, quando atentamos nas suas estruturas fundamentais. Acontece, sim, que à superfície de vez em quando se levantam ondas que mais chamaríamos modas ou efervescências de opinião, destinadas a cair e a acalmar-se, se não se lhes dá a razão de ser da própria vida política, como tem sido muitas vezes o caso. De modo que o essencial é descobrir as linhas mestras da vida nacional que possam adaptar-se, sem se quebrarem, às contingências dos tempos, e definir a orientação que se lhes há-de imprimir, e muitas vezes não é mais que a linha de continuidade de um sentimento colectivo. Assim os regimes se firmam e perduram na medida em que reflectem os homens e as Nações - tão diversas umas das outras! - perfilham as aspirações comuns e suprem mesmo deficiências da colectividade.
Se a experiência vale alguma coisa, devíamos tirar daqui uma ilação. A força pode fazer revoluções mas não pode só por si mantê-las sem o apoio da consciência nacional. A ideia de que a Nação está hoje cloroformizada pelo medo ou por uma espécie de avitaminose política é incompatível com o entusiasmo e a confiança com que se bate em três territórios ultramarinos. Mais correcto é pensar que, independentemente dos governantes, sujeitos a deslizes e deficiências na orientação dos negócios públicos, se encontrou uma fórmula conforme ao modo de ser da colectividade e que a todos permite viver em paz e progredir. É de aconselhar que não se substitua enquanto se revelar eficaz e esteja confiada a quem na mais alta magistratura a possa defender e fazer cumprir.
Estas considerações deviam bastar para serenar os ânimos inquietos, exageradamente preocupados com as eleições de deputados que este ano se hão de também realizar.
A União Nacional apresentará, como de costume, as suas listas e é de crer que elementos políticos de oposição ao regime, depois de alguns terem aproveitado o período eleitoral na criação de um clima subversivo, também apelem para o sufrágio popular. Mas terão aqui dificuldades, porque representam o passado, e este, se infeliz, não dá garantias suficientes de aliciar o crédito público. Alguns poderão apresentar-se conto a radiosa esperança do futuro, mas também estes têm «passado», ainda que fora de Portugal, e o comunismo é neste País tão antinacional e anticristão que uma Nação que se bate a defender a sua integridade territorial e moral não o apoia, não o suporta, não pode reconhecê-lo dos seus.
Não há mesmo possibilidade de as oposições gizarem programas para o futuro imediato, salvo o que nós próprios temos definido já. Há poucos dias tive a oportunidade de ler o documento em que numerosos democratas solicitavam autorização para a celebração, de prever ruidosa, - do 31 de Janeiro na cidade do Porto. Na exposição faz-se acerada crítica da Administração e do Governo, apontando os vários problemas em que a actuação ou se verificava errada, ou claramente deficiente. E os autores não tiveram trabalho a documentar os seus assertos, pois se limitaram, para cada assunto, a citar as passagens correspondentes de discursos proferidos na Assembleia Nacional. Nós conhecemos os riscos das transcrições fora do contexto, mas posso glosar o facto em meu proveito. Há anos já o Doutor Marcelo Caetano, então ministro da Presidência, fazia notar encontrarem-se mais diferenças ideológicas entre os membros do Governo do que algumas vezes entre representantes de partidos diferentes. Foi exacta a observação e o facto apontado que a confirma quer dizer duas coisas: a primeira é que, salvaguardada a unidade no essencial, não nos afrontam as correntes de pensamento que se manifestem acerca dos problemas nacionais e das suas possíveis soluções; a segunda é que entre nós o deputado é livre a discutir e a votar, o que não acontece nos regimes partidários, em que a disciplina não pode deixar de ser considerada factor essencial à coesão das forças políticas. Por isso, do outro lado do regime, os que pretendem combater-nos não dispõem de grandes possibilidades.
II
Apesar de confiante na experiência e conhecimentos das pessoas mais directamente encarregadas da acção política, não quero deixar de referir-me à atmosfera mundial e doméstica em que a mesma se desenvolverá.
Vivemos uma época que, apesar de uma verdadeira explosão científica e correspondente progresso em numerosos sectores da vida, se apresenta excessivamente perturbada na consciência dos homens e dos povos. Esta perturbação resulta de se terem rompido, com a Segunda Grande Guerra, numerosos equilíbrios sobre que assentavam a vida social e as relações dos Estados, e também das ideias admitidas para a criação da sociedade futura. O mal vem portanto dos factos e das situações criadas e também dos erros de julgamento e de pensar que nos invadiram e constituem veneno corrosivo da acção.
Hitler prometia com a sua vitória a paz para mil anos; perdida a guerra, veio prometê-la a ONU, tanto no seu ideário como no jogo das suas engrenagens, para prazo indefinido. Pois está sendo difícil encontrar lugar na terra onde não alastrem guerras e conflitos de toda a ordem. Ou não soubemos estabelecer e garantir a paz ou estamos equivocados quando a pensamos para sempre possível entre os homens e as Nações.
Aumentam extraordinariamente no mundo, com o trabalho e os recursos da técnica, os produtos para as necessidades do homem; talvez pudéssemos dizer que para todos bastariam, em nível modesto de vida. Pois a pobreza parece apertar cada vez mais aflitivamente os homens e há miséria por toda a parte, mesmo no seio dos países mais desenvolvidos e ricos. E assim parece que ou nos extraviamos no supérfluo em detrimento do necessário ou o nosso coração se perde nos seus anseios de generosidade e não descobre a fórmula de distribuição de bens que acabe coara os pobres na terra - se é possível acabarem na terra os pobres.
Nos povos estabilizados de velha civilização, nos povos que diríamos a caminho de um equilíbrio sadio ou nos que iniciam a vida como Estados independentes, repetem-se sem descanso as invocações democráticas, os apelos à liberdade e à igualdade dos homens, à soberania do povo, à omnipotência justiceira e criadora do voto, à outorga deste até ao limite extremo de «um a cada cabeça». Pois no funcionamento das instituições políticas, assistimos ao mesmo tempo ao envelhecimento dos princípios que foram dogmas para nossos avós, e depois de século e meio de domínio nos legam uma sociedade moral e politicamente degradada. Ao aconselhar, quase diríamos, ao impor a todos os povos essas instituições e princípios, ou nos enganamos sobre o absoluto do seu valor ou nos iludimos sobre a precariedade das soluções que se encontraram para os realizar. Isto é, depois de milénios o homem conclui não saber governar-se nem poder governar-se sem respeitar o primado da autoridade e da justiça. Ora estas limitam, só porque existem, a liberdade e a igualdade; e da trilogia revolucionária de 89 a única invocação que parecia realizável na sua plenitude - a fraternidade será sacrificada ao egoísmo dos homens e ao materialismo da vida.
Todos terão notado entrar-se numa época em, que a política está a ser dirigida pela economia. E, ainda que estejamos no começo da sua influência, já deslizes se notam de profunda repercussão na vida das Nações. Está generalizada a ideia, que supomos errada, de que todas as sociedades humanas podem, começar o seu desenvolvimento económico pela industrialização e que o grau de industrialização atingível é igual em todos os povos. Errou-se na avaliação dos capitais disponíveis para o desenvolvimento do mundo e nalgumas partes se houve de voltar atrás em programas ambiciosos de créditos e subsídios, para não se alterar a estabilidade económica e financeira dos países doadores. Errou-se ao considerar que a economia se pode basear não no trabalho próprio, não na técnica própria ou importada, mas na generosidade alheia e em outros valores morais para que incessantemente se apela. A luz que intensamente se projecta na vida material, no desenvolvimento económico, nos aumentos indefinidos dos níveis de vida vai deixar na obscuridade toda a parte espiritual do homem, do que me parece dever esperar-se o tempo materialista por excelência, a época dos povos ricos sem alma.
Disse que a economia tende a dirigir a política; mas a técnica, essa, quer substituí-la. Ora, sendo a política indispensável ao governo dos povos, o facto só pode verificar-se se a técnica for em si mesma uma política. Pergunto se é. O avanço das ciências aplicadas aos processos de trabalho abriu à produção e ao funcionamento dos serviços larguíssimas perspectivas. Isso é bem, pelas facilidades que cria e a maior produtividade que dá ao trabalho, e representa um benefício inestimável, dados os aumentos da população e a crescente complexidade da vida. É duvidoso que possa ir além disto; é sobretudo pernicioso que se tenda a converter o homem em engrenagem da própria técnica, que é para onde se caminha. Até aqui a política definia o que devia fazer-se; a técnica ensinava como se devia fazer. Mas se à técnica, conduzida pela ambição do desenvolvimento económico, mediante o aumento da produção, cabe pronunciar-se sobre a ordem das realizações e sobre a orientação da vida social, é ela também competente para traçar uma política, e nós sabemos bem que ideologia em tais termos a inspira. Tem de salvar-se o homem, da tentação do abismo. Ele continuará a apresentar-se-nos como ser moral por excelência, embora com necessidades materiais, o que significa haver outro mundo, dever haver outro mundo para além daquele que a técnica e a economia podem criar.
Um dos fenómenos mais embaraçantes do mundo de hoje é a crise do direito internacional que uns observam como herança da sua civilização e outros desprezam para se instalarem, a seu gosto na terra. O alargamento da comunidade internacional não devia ter-se processado à margem da preparação dos Estados para aceitarem e cumprirem as normas que regulam por consenso geral ou por convenção expressa a vida de relação entre as nações; mas seguiu-se orientação oposta com o princípio da universalidade de todas as organizações internacionais, como se o registo de admissão equivalesse à garantia de observância das normas que as regulam, o que está demonstrado não ser exacto. A Organização das Nações Unidas tem feito - pecaminosamente - o máximo por condescender com práticas aberrantes e até com a defesa de supostos interesses de muitos países irrequietos e ambiciosos contra os legítimos direitos de outros. Apesar disso, o desequilíbrio das situações apontadas é de tal ordem que nós o podemos ver na base dos numerosos conflitos que se espraiam pelo mundo. O princípio de que nas épocas de crise a lei internacional é para cada Estado a que serve o seu interesse, sem respeito pelo direito alheio, lançou-nos no caminho das grandes confusões e dos máximos perigos.
Nesta ligeira referência a factos e erros da nossa era que a tornam desassossegada e infeliz, não podemos esquecer o maior de todos - a África em fogo.
O nosso ministro dos Negócios Estrangeiros tem feito numerosas exposições sobre a política externa nas quais os problemas de África e do Ultramar português têm tido o merecido relevo. Eu próprio me recordo de haver exposto com alguma largueza o enquadramento da nossa política ultramarina tanto na evolução contemporânea de África como no nosso direito constitucional e na política interna. Não me repetirei; actualizarei apenas as situações, referindo-me aos factos mais recentes.
Mau grado os esforços da Organização da Unidade Africana, são cada vez mais vincadas as divisões e incompatibilidades que uns aos outros opõem os países daquele Continente. Vários ao sul do Equador dão mostras de não confiar no desinteresse dos árabes que se propõem conduzi-los. Por outro lado, estes e alguns outros pretendem chefiar a revolução africana, não já e apenas no sentido da independência dos territórios coloniais mas no da adopção de uma política, ideológica e economicamente sustentada pelo bloco comunista. A revolução de Zanzibar e a formação da União com o Tanganica cavaram urna brecha difícil de colmatar. Particularmente por ali, mas também pela costa ocidental, entram as ideias, os homens, as armas que se propõem atingir o coração de África, para o domínio comunista desta.
Como nenhum país africano tem ao presente desenvolvimento económico e social que permita a realização do comunismo, o apoio do referido bloco representará sobretudo a substituição das posições ocidentais, no que respeita à Europa, e um perigo para a independência da África no que respeita àquele Continente. O chamado socialismo africano não pode ser mais no nosso tempo que a expropriação e em muitos casos a espoliação dos bens, meios de trabalho e empreendimentos que os europeus ali fizeram surgir. O racismo negro, no que tem de irredutível cora a presença do branco, pode ser visto como a explosão duma incompatibilidade étnica, um desagravo ou um desforço, mas, aos olhos de muitos agitadores, é também uma operação económica, aliás fracamente reprodutiva pela dificuldade de organizar o trabalho e manter o nível da produção com, elementos locais.
Assim as nações europeias que cederam as posições políticas mas entendiam que, apesar de tudo, lhes seria possível continuar a guiar os povos africanos independentes, pela superioridade da técnica, pela força do capital emprestado ou gratuitamente cedido, pelo brilho da cultura, têm de haver-se agora com concorrentes difíceis e estranhos ao Continente africano que, além de implicações económicas e políticas, comprometem a obra ali empreendida.
Há semanas a esta parte elementos subversivos vindos do Tanganica, directamente ou através do Malawi, romperam em Moçambique com as acções anunciadas de sabotagens e morticínios dos portugueses negros. Tentam que os casos da Guiné e de Angola se repitam ali com o auxílio e colaboração do Tanganica, embora até ao presente sem intensidade comparável aos primeiros, porque nos encontraram preparados e atentos. Constituindo aquele território um Estado membro da Comunidade britânica, somos levados a crer que a Inglaterra, sem falar em obrigações de alianças, entende não estar em condições de dizer uma palavra de moderação a um membro da Comunidade que se comporta tão ao arrepio da correcção jurídica e política devida a Estados vizinhos. Em compensação a defesa contra ataques, protegidos nos países de onde partem, começa a ser aceite pelas potências, como comportamento normal e inteiramente justificado.
Este o teor em que vai o mundo e é dentro deste quadro que havemos de defender os territórios nacionais. É uma pena que os três milhões e meio de contos gastos anualmente nesta defesa, além dos muitos centos de milhares que as grandes Províncias despendem com o mesmo fim, não possam ser aplicados aqui e lá em estradas, portos, escolas, hospitais, aproveitamento de terras, instalação de indústrias ou exploração de minas. Com tais somas se podia fazer a relativa felicidade de muita gente em vez de lhe perturbar e sacrificar a vida, alimentando a - vaidade de ideólogos ou de aventureiros que um dia sonharam com impérios afinal inacessíveis às suas ambições.
Estas importâncias assim gastas nas províncias ultramarinas não serão mal empregadas? O problema não pode pôr-se-nos assim, mas só em face da imperiosidade do dever político e das possibilidades nacionais. O cumprimento do dever não tem de ser contabilizado; as possibilidades são as do nosso trabalho que, se tiver de ser mais penoso e longo, o será sem hesitações.
Sei que em espíritos fracos o inimigo instila um veneno subtil com afirmar que estes problemas não têm solução militar e só política e que todo o prolongamento da luta é ruinoso para a Fazenda e inútil para a Nação. Eu responderei que o terrorismo que somos obrigados a combater não é a explosão do sentimento de povos que, não, fazendo parte de uma nação, conscientemente aspirem à independência, mas tão-só de elementos subversivos, estranhos na sua generalidade aos territórios, pagos por potências estrangeiras, para fins da sua própria política. Como elementos alheios à colectividade nacional estiolar-se-ão no momento de lhes ser recusado o território em que se organizam, e treinam, o apoio político recebido e os subsídios cru armas e dinheiro. De modo que a tal solução política, se não prevê a desintegração nacional (que todos fingem repelir), não se encontra em nós próprios mas nos países vizinhos, aos quais, pelos meios ao nosso alcance, possamos ir fazendo compreender melhor os seus deveres de Estados responsáveis para connosco e para com uma pobre gente que estupidamente se faz sacrificar a interesses alheios. Mas neste entendimento a defesa militar é o único meio de chegar à solução política que no fundo é a ordem nos territórios e o progresso pacífico das populações, como o vínhamos prosseguindo.
Vamos em quatro anos de lutas e ganhou-se alguma coisa com o dinheiro do povo, o sangue dos soldados, as lágrimas das mães? Pois atrevo-me a responder que sim. No plano internacional, começou por condenar-se sem remissão a posição portuguesa; passou depois a duvidar-se da validade das teses que se lhe opunham e acabaram muitos dos homens mais responsáveis por vir a reconhecer que Portugal se bate afinal não só para firmar um direito seu mas para defender princípios e interesses comuns a todo o Ocidente. No plano africano, quatro anos de sacrifícios deram, tempo a que se esclarecesse melhor o problema das províncias ultramarinas portuguesas, a diversidade das instituições criadas em séculos naquele Continente e os ganhos ou perdas, em todo o caso as dificuldades que a independência, tão ambicionada por poucos, trouxe a todos os mais e os dirigentes não sabem ainda como resolver. Assim, bastantes povos africanos nos parecem mais compreensivos das realidades e mais moderados de atitudes. Eis o ganho positivo desta batalha em que - os portugueses europeus e africanos combatemos sem, espectáculo e sem alianças, orgulhosamente sós.
III
Agora umas palavras sobre o ambiente político interno que adivinho denso e carregado de dúvidas e preocupações. Eu compreendo isso e, ao aflorar certas causas da perturbação mundial, de algum modo e em parte o explico também. Devido a jogo inextricável de interdependências, uma parte da vida da Nação sofre as pressões externas - doutrinárias, económicas ou políticas - a que não tens possibilidade de esquivar-se. E assim, correndo mal os tempos no mundo, difícil seria que pudessem correr aqui inteiramente bem. Mas, além disso, temos causas privativas de mal-estar.
Enfrentamos guerras no Ultramar que não se sustentam nem hão-de vencer sem sacrifícios de sangue e de dinheiro. Por isso os impostos tiveram de ser agravados e é ainda possível que, nas vastas reformas publicadas, algumas incidências não realizem a justiça e por isso mesmo não correspondam à vontade do legislador.
Uma série de maus anos agrícolas havia de saldar-se por perdas vultosas tanto para o proprietário da terra como para o agricultor. Atravessamos um ano excepcionalmente seco que prenuncia, a continuar assim, urra estio sem águas de rega e graves dificuldades no abastecimento para o próprio consumo corrente. A indústria, que trabalha ao abrigo das irregularidades climatéricas, tem-se multiplicado e progredido satisfatoriamente, mas, devido ao excesso de população que trabalha nos campos, o progresso daquela não beneficia proporcionalmente os homens da terra que se refugiara na emigração, aliás em desordem muitas vezes e em excesso injustificado, originando crises de mão-de-obra em vastos sectores rurais. O abastecimento público tem podido manter-se em termos quase normais mas muitos preços têm subido, com os correspondentes gravames para as economias mais débeis.
Quando estes fenómenos se verificam e nestas proporções, a população tem a tendência para intensificar e acelerar pressões no sentido de ver aumentadas as remunerações do trabalho, pensando esquivar-se às dificuldades comuns. A experiência largamente vivida pelos povos é a da inutilidade ou nocividade desses remédios, porque as altas salariais se reflectem nos preços e estes no valor da moeda, tudo voltando ao começo. A obra de maior vulto realizada pelos Ministros das Finanças dos últimos quarenta anos foi exactamente conseguir manter o equilíbrio financeiro e a estabilidade monetária, que estão na base do nosso progresso e é necessário conservar para podermos subsistir; e por esse motivo, salvo nos casos de ajustamentos impostos por imperiosa justiça, não devemos aceder à onda de aparentes facilidades que aliviam o dia de hoje, comprometendo o futuro. A mim se me afigura especialmente absurdo que, tendo como Nação, de fazer face a maiores despesas, queiramos sempre, na imitação desequilibrada de modas alheias, ganhar mais e desejemos ao mesmo tempo trabalhar menos.
Durante a última grande guerra me aconteceu algumas vezes receber altas personalidades britânicas para negócios graves, e notar-lhes o fato velho, coçado, fimbriado nas mangas. Chegava a comover-me observar esses sinais de pobreza que não havia pejo em mostrar, porque representavam afinal o sacrifício conscientemente feito ao fim supremo da luta em que a sua nação se empenhara. Sei que não estamos em termos comparáveis e talvez por essa razão não vemos isso aqui, antes em certos casos o espectáculo da riqueza que se alardeia e quase afronta pelo exagero com que se manifesta. Por mim desejaria que fôssemos mais modestos e, sobretudo nestes momentos de crise, mais discretos também.
O facto de ter-se anunciado e começado a executar um plano que se chamou de reconversão agrária, alertou a muitos, porque não foram inteiramente compreendidos os fins, os métodos, as cautelas a ter na longa transição: nada, a não ser a incompreensão, devia causar receios ao nosso meio agrícola. Eu sou um rural e, embora em situação diferente, vivi duas guerras, uma em que interviemos activamente nos quadros de uma aliança, outra em que não batalhámos mas houvemos que organizar a defesa nos quatro cantos do mundo. Daí vem compreender o campo e conhecer as necessidades vitais que o campo tem de satisfazer. Independentemente do que se possa chamar a poesia campestre, que atrai os sorrisos um tanto desdenhosos da economia industrial, por mim, e se tivesse de haver competição, continuaria a preferir a agricultura à indústria; mas se quereis ser ricos não chegareis lá pela agricultura, ainda que progressiva, e industrializada, neste País de solos pobres e climas vários. A terra é humilde, tanto que se deixa a cada momento pisar; o trabalho da terra é humilde, porque o homem a cultiva, humildemente debruçado sobre as leivas; o fruto do trabalho ria terra é pobre porque está rio início de um ciclo de operações comerciais ou industriais destinadas a valorizá-lo ou a enriquecê-lo. Assim a faina agrícola, sujeita à torreira do sol ou à impertinência das chuvas, é acima de tudo uma vocação de pobreza; mas o seu orgulho vem de que só ela alimenta o homem e lhe permite viver. Quando se governa um país, e se nos deparam os mercados difíceis, os mares impraticáveis, as bocas famintas sem saber de onde há-de vir um bocado de pão, a terra pobre, a terra humilde sobe então à culminância dos heroísmos desconhecidos e dos valores inestimáveis.
Ao afirmar-se a necessidade de corrigir o fácies agrícola do País, alargando a floresta às serras nuas e aos campos que cobrimos de searas pobres, não se pensou em desertar da cerealicultura, mas na possibilidade de ter searas mais rendosas ou culturas mais ricas noutros terrenos e deixar ao mesmo tempo que as árvores cresçam onde o trigo não grada. Deste modo mais intensa florestação do País não significa a diminuição das culturas, o êxodo dos trabalhadores, o abandono do pão que cultivamos, aliás, sem grandes condições para isso, e teremos de pagar, mesmo se caro, como quem paga um seguro de guerra.
Tem-se falado muito nos defeitos da nossa estrutura agrária, que são evidentes e mais evidentes se tornarão a todos os interessados na medida em que pudermos corrigi-los. Mas, talvez por não termos bem definido os termos da questão fundamental que é a relação da cultura com a propriedade, houve sobressaltos injustificados, pois logo se enxergaram repercussões na pequena horta familiar ou na herdade extensa de bem equilibrada cultura. Isso nasceu do amor à terra que gira no sangue das nossas veias mas não se justificava nem em face das intenções nem de quaisquer providências tomadas.
Grandes e pequenas coisas se têm, acumulado a empecer-nos o caminho, umas apenas na imaginação sobressaltada, outras nos factos reais da vida. Mas o que houver, que rever-se há-de sê-lo, não na precipitação mas na calma do nosso melhor entendimento.
IV
Compreende-se bem que, neste emaranhado de problemas e de soluções possíveis, de adversidades que nos chovem como castigo do céu e de dificuldades nascidas da política mundial, seja fácil criar aqui dentro ambientes de dúvida e de perturbação. Disse que uma parte da vida nacional flui das interdependências externas; mas outra parte, a mais importante e grave, somos nós a determiná-la, a tomar dela a responsabilidade plena. E um povo que toma, diante de, si mesmo e à face dos imperativos da sua história, a decisão viril de resistir, porque sabe que precisa de resistir para sobreviver, há-de tirar desta mesma decisão as forças necessárias para enfrentar as dificuldades. Penso assim que o Ultramar não pode ser para nós fonte de desânimos mas, ao contrário, do mais sadio optimismo.
Além dos portugueses de África que combatem nas fileiras ou defendem portuguesmente naquelas terras as suas aldeias e lavras, teremos já entre nós dezenas de milhares de homens e, não sei quando, centenas de milhares que viveram nos matos, se arriscaram nos mares e nas selvas, jogaram a vida pela Pátria e viram no Ultramar projectada a Nação na sua verdadeira grandeza. Que podem significar para estes homens umas oposições que conspiram com o comunismo em, Paris ou em Argel para lhe entregar Portugal, ou aquelas, mais moderadas embora, que se limitam a ver se podem conquistar o poder, sabendo todos, pela imprecisão da sua linguagem, que perder a batalha aqui ou lá é tudo a mesma coisa? E não estaremos nós à altura dos que se batem, não só por eles e por nós mas pela justiça que nos assiste e pelo bem dos povos a que nos devotámos?
Quando a União Indiana se apossou de Goa, o que internacionalmente se concluiu foi que obteve minas ricas de ferro e manganês e ficara com um porto como não havia outro em, todas as suas costas; e parece não ter acudido à mente de ninguém que havia ali também, uma alma e uma cultura indo-portuguesa, amorosa criação de quatro séculos e meio de trabalhos e sacrifícios. Pois por este motivo já quase não trabalham as minas, nem se desenvolve o porto de Mormugão; e a União Indiana, para aumentar de uma polegada o seu imenso território, forjou, cravando-o no seu seio, mais um factor de divisão na profunda divisão que a agita. Nunca houve tantos portugueses nem tão elevado sentimento português em Goa a enfrentar autoridades tirânicas, no mesmo território que a hipocrisia de muitos diz «libertado da opressão» portuguesa.
Esta lição que o mundo agora colhe do nosso sofrimento, não queremos que levianamente a tire dos outros territórios que constituem a Nação portuguesa. Mas este não querer tem um segredo que é sabermos bem, porque nos batemos, isto é, as razões da nossa luta nacional.
Humildemente confesso não ter conseguido em tantos anos duas coisas que aliás se me afiguravam essenciais: convencer os governos de que precisavam de um apoio político para a sua acção e de que esse apoio só podia advir-lhes da União Nacional; convencer a União Nacional de que a formação política não pode ser abandonada a acasos de leituras ou de influências familiares mas a uma doutrinação sistemática e persistente.
Em face de nós só dois agrupamentos levam na devida conta a formação dos seus adeptos - a Igreja e o comunismo. Embora, conforme a frase de Tertuliano, a alma humana seja naturalmente cristã, desde sempre entendeu a Igreja não poder existir sem uma doutrinação activa que ilustrasse os entendimentos no dogma, e afeiçoasse as consciências às práticas da sua moral. Assim a Igreja pode cristianizar a nação e pode até cristianizar o Estado; e parece-me dever ficar por aí, pois não pode substituir este nem conduzir os negócios daquela na ordem material ou profana. E se, esquecendo amargas experiências históricas, se sentisse tentada a intervir na acção política, não devia fazê-lo, porque, à medida que vemos materializar-se a vida, se torna mais e mais absorvente a missão espiritual da Igreja.
O comunismo que também quer ser à sua moda religião, trabalha como uma igreja, doutrinando e formando os seus adeptos, com largueza de meios e base científica dignos da melhor escola, mas tão eficientes que, sendo a doutrina comunista antinatural, mesmo contra a natureza consegue fiéis que se lhe entregam inteiramente e por ela morrem, se necessário.
Na carência a que me referi e no que é essencial, o que nos tem valido é o fundo ainda consistente da lusitanidade, as lições da história e o exemplo dos seus valores, a sã tradição de nossos maiores que os acontecimentos políticos dos últimos séculos não conseguiram obliterar. Mas para conquistar uma adesão firme, formar um soldado de uma causa desinteressada, granjear-lhe a dedicação incondicional, é precisa a acção constante de uma doutrinação esclarecida. Quando o inimigo sentiu que organizações nossas podiam ser o fermento duma nova sociedade ou forças de estabilização necessária na época agitada em que se tem vívido, logo iniciou a campanha necessária ao seu descrédito. E muito bem, diante da nossa indecisão, porque ele sabia o que lhe convinha e nós dávamos provas de ignorar o de que tínhamos necessidade.
Pois bem, se o Centro de Estudos Políticos que existe aqui fizer irradiar de si a luz que ilumine, o calor que aqueça sobretudo as almas jovens, naturalmente generosas e sedentas, nós podemos estar certos de que não serão abalados os alicerces nem com eles o futuro desta Nação.
PASSAM HOJE 43 ANOS DO FIM DO VERÃO QUENTE...
25 DE NOVEMBRO RESTAURA ESPÍRITO ORIGINAL DO 25 DE ABRIL EM PROL DA DEMOCRACIA PLURALISTA
Passam hoje 43 anos
do fim do Verão Quente
O PREC instalado pelos governos comunistas do Coronel Vasco Gonçalves terminou a 25 de Novembro de 1975 com um golpe militar, anulado pelas forças leais à democracia pluralista comandadas por Ramalho Eanes
Edição de:
Quarta, Novembro 25, 2015
Passam hoje 40 anos do 25 de Novembro de 1975, dia associado ao fim do PREC (Processo Revolucionário em Curso, iniciado pós-revolução de Abril), mas também ao início da democracia pluralista em Portugal. Com Lisboa em estado de sítio parcial, os acontecimentos militares desse dia retiraram toda a influência ao “gonçalvismo” comunista e apaziguaram um país envolvido em extremismos e confrontos, a braços com o designado “Verão Quente”, também com reflexos em Coimbra.
Volvidas quatro décadas, as palavras de descrição estarão longe de explicar as emoções de um país que esteve, segundo analistas e historiadores, à beira uma guerra civil, mas podem dar, numa breve síntese, uma imagem de um dos períodos mais intensos da História nacional. Após o 25 de Abril de 1974, Vasco Gonçalves, da comissão coordenadora do Movimento das Forças Armadas e próximo do PCP, assume funções de primeiro-ministro de sucessivos governos provisórios, desde 18 de Julho de 1974 até 19 de Setembro de 1975.
Para contextualização, lembre--se que a Junta de Salvação Nacional, junta militar que exercia as funções fundamentais do Estado, nomeara o General António de Spínola como Presidente da República (PR). Sem apoio do PS e do PCP na solução que preconizou para a questão colonial (auto determinação das províncias ultramarinas), e depois de apelos à “maioria silenciosa”, Spínola renuncia a 30 de Setembro de 1974, sendo substituído por Costa Gomes, mas está na base do “Verão Quente” de 1975.
Isto porque apoiou uma tentativa falhada de golpe militar, a 11 de Março de 75 (ataque ao RAL 1, em Lisboa), desencadeada por militares afectos ao ex-PR António de Spínola, que pretendiam travar o avanço comunista e evitar uma alegada “matança na Páscoa” que estaria em preparação. O falhanço militar seria aproveitado por Vasco Gonçalves para radicalizar o PREC, surgindo o “Verão Quente”. Apoiado pelo COPCON (Comando Operacional do Continente, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho), Vasco Gonçalves desmantela grupos económicos, nacionaliza bancos, seguradoras, transportes, comunicações e grandes empresas, determina a reforma agrária e a ocupação de terras, apodera-se e procura gerir meios de comunicação social, num controlo de poder que teria a oposição do PS, do PPD, do CDS e da Igreja católica. A tentativa de imposição de um modelo de administração comunista de linha soviética criara já rupturas sociais, com extremismos à esquerda e à direita, mas também com a forte maioria da população, moderada, virada para a Europa ocidental, simpatizante da CEE e da NATO.
Ataques bombistas
Voltemos à contextualização. No período mais intenso do PREC, no Verão Quente, a violência sente-se, é profunda: há ataques bombistas, casas e terras tomadas de assalto, ameaças, um clima tenso, com divisões militares e políticas. É preciso lembrar que havia várias forças no terreno. Se hoje se pode dizer que havia um conflito de poder entre partidos, MFA e Conselho da Revolução (herdeiro da extinta Junta de Salvação Nacional), na verdade há uma anarquia de poderes e de grupos no terreno, muito deles radicais. Para se dar uma ideia ficam as designações de alguns grupos operacionais dos dois extremos, como o MDP (satélite do PCP), a FSP, o PRP-BR, a Organização 1.º de Maio, a LUAR, o MRPP, ou, mais à direita, o Movimento Democrático de Libertação de Portugal ou o Exército de Libertação Português. E também a Frente de Unidade Revolucionária, de raiz comunista e guerrilheira, com presença clandestina nas Forças Armadas através dos SUV (Soldados Unidos Vencerão). É neste mosaico social que ganha força a moderação, que viria a ter visibilidade com o Grupo do Nove, constituído por oficiais das Forças Armadas, do Conselho da Revolução, liderados por Melo Antunes e de que fazia parte Ramalho Eanes.
PS afasta-se do PCP
Já iremos ao papel determinante que este grupo teve no 25 de Novembro. Antes, relembre--se que a 25 de Abril de 1975 ocorreram as eleições para a Assembleia Constituinte, concretizando-se a derrota democrática do PCP. No entretanto, Mário Soares, líder do PS, que se aproximara dos comunistas no pós--25 de Abril, aparentemente numa estratégia de maximizar simpatias, afasta-se do PCP, chefiado por Álvaro Cunhal, acusando-o de ser responsável pela situação caótica do país e de querer cercear as liberdades e impor uma ditadura comunista.
Nas eleições, PS, PPD e CDS conseguem eleger 214 deputados constituintes (em 250), adeptos da democracia pluralista, da adesão à Europa e de um regime semi-presidencialista. Do lado dos partidos defensores de uma república popular - a Frente de Unidade Revolucionária - onde se incluía o PCP, há apenas 26 deputados.
Os resultados das eleições clarificariam visões para o futuro do país, nomeadamente do PS e do PPD, e agravariam o conflito de legitimidade de poder entre partidos, primeiro-ministro, MFA e Conselho da Revolução. Em crise de autoridade, o governo de Vasco Gonçalves é questionado e pedida a sua demissão, pelo PS. O Presidente da República Costa Gomes acabaria por exonerar o primeiro-ministro e, já com um Conselho de Revolução remodelado, sem elementos pró-PCP, é elaborado o programa do último governo provisório, o VI, empossado a 19 de Setembro, sob liderança do almirante Pinheiro de Azevedo.
E aqui começa outra fase do Verão Quente. O Conselho da Revolução (CR) e o MFA estão divididos e os grupos radicais continuam organizados. A 12 de Novembro uma manifestação sindical cerca os deputados no interior do Parlamento. Uma semana depois, no dia 20, o Governo declara-se em greve por falta de condições administrativas. Perante a possibilidade de um ataque de forças extremistas de esquerda, vindo das próprias forças armadas, o Grupo dos Nove prepara um contra-golpe, num plano militar elaborado por Ramalho Eanes para garantir que o País avançaria para uma democracia pluralista.
Na manhã de 25 de Novembro, tropas pára-quedistas de Tancos ocupam o Comando da Região Aérea de Monsanto e seis bases aéreas, exigindo a demissão de Morais da Silva, Chefe de Estado Maior, que dias antes mandara passar à disponibilidade cerca de mil militares de Tancos. Avança, de imediato, o contra-golpe de Ramalho Eanes. Sob ordens de Jaime Neves, o Regimento de Comandos da Amadora cerca o Comando da Região Aérea de Monsanto e prende os militares revoltosos. Nessa noite, o Presidente da República chama a Belém os principais comandantes militares, num acto que viria a ser considerado como impeditivo da dispersão de autoridade, e decreta o estado de sítio em Lisboa. No dia seguinte, os comandos da Amadora atacam e controlam o Regimento da Polícia Militar, unidade próxima das forças políticas de esquerda revolucionária. Antes da rendição, há vítimas mortais de ambos os lados.
São recuperadas as bases aéreas. Embora tenha havido movimentações de extremas esquerda e de direita durante os dias 24 e 26 de Novembro, o PCP não tomou posição e o COPCON não actuou. Acabara o PREC, aqui resumido de uma forma muito sumária, mas não as divisões, só diluídas com o tempo.
Domingo salva perseguidos do “gonçalvismo”
O Domingo – Jornal do Dia, criado pelo Diário de Coimbra em 1974, e que seria o único jornal publicado durante meses ao domingo, anuncia, a 29 de Setembro desse ano, a prisão iminente de perseguidos pelo “gonçalvismo”, permitindo a fuga a muitos deles antes das detenções.
Eanes lembra “momento fracturante”
Ramalho Eanes, que se encontra nas Filipinas, onde hoje recebe o Prémio Internacional da Paz 2015, atribuído pela fundação Gusi Peace PrizeInternational, disse ontem que o 25 de Novembro foi um «momento fracturante», que não deve ser comemorado.
«O 25 de Novembro foi um momento fracturante e eu entendo que não devemos comemorar, os momentos fracturantes não se comemoram, recordam-se e recordam-se apenas para reflectir sobre eles. No caso do 25 de Novembro, devíamos reflectir por que é nós portugueses, com séculos e séculos de história, com uma unidade nacional feita de uma cultura distintiva profunda, por que é que nós chegámos àquela situação, por que é que chegámos à beira da guerra civil», disse Ramalho Eanes em declarações à TDM, a rádio e televisão pública de Macau.
PS alia-se ao PCP depois de 40 anos de ataques mútuos
O VI Governo Provisório retomou funções a 28 de Novembro 1975. Otelo é destituído de comandante do COPCON e Ramalho Eanes, que seria eleito Presidente da República em Junho de 1976, assume funções de Chefe de Estado Maior do Exército. O primeiro Governo Constitucional português, liderado por Mário Soares, seria eleito em Julho de 1976.
Hoje, 40 anos depois do fim do PREC, é indigitado um governo socialista, com o suporte do PCP e do Bloco de Esquerda, partidos com visão anti-europeísta e anti-NATO. Depois de um “namoro” estratégico, logo no imediato do 25 de Abril, e de um “divórcio” com mais de 40 anos de ataques mútuos, PS e PCP formalizam agora um “casamento de conveniência”. Outros tempos, outros protagonistas. Mas certamente uma igual vontade de poder.