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MOÇAMBIQUE, NOVA FRENTE DE GUERRA


A falta de preparação dos soldados portugueses é hoje uma das questões mais apontadas para a vaga de mortes da Guerra Colonial, 53 anos depois. O que é que o exército português aprendeu neste período?

“Eu recebi bastantes ‘emails’ e telefonemas de pessoas que estiveram na Guerra Colonial a dizerem: ‘Olhe, eu estava a ler o seu livro e estava-me a lembrar daquilo que nos acontecia’. A questão mantém-se: um pequeno país querer projetar uma guerra a milhares de quilómetros de distância. É uma utopia. Era impossível que toda a cadeia de abastecimento, logística e de comando tivesse funcionado bem. Em cenários onde há guerrilha, são guerras impossíveis de ganhar.

Pode-se ter aprendido alguma coisa com a I Guerra, embora seja curioso que os militares que foram para Moçambique [na Guerra Colonial], não soubessem da I Guerra Mundial ali. Em vários sítios, identifiquei militares que estiveram lá: ‘Você esteve neste sítio. Ouviu alguma vez falar de uma batalha que aconteceu ali em 1917 ou 1918?’ Não. Nenhum deles sabia. Mesmo oficiais com patentes superiores, desconheciam em absoluto.

O caso mais engraçado é a memória de um familiar meu que está na base da minha investigação. O avô do meu tio esteve numa base militar chamada Unango e o neto, que também era militar, passou pela cidade 50 anos mais tarde e não sabia que o avô tinha estado lá. Essa desconexão num tão curto espaço de história é uma coisa que, enfim, só acontece em Portugal. Nem o neto sabe que o avô tinha estado lá. Há aqui coisas que nos levam para a dimensão do mistério, quase.”

O insucesso militar dos portugueses pode dever-se a esta questão de não se saber, de não se estudar?

“Sim, isso é uma tendência que nós temos desde sempre: a de não aprendermos com a história. Não aprendemos nada com as nossas próprias frustrações, nem sequer com os nossos próprios sucessos. Queremos inventar a cada ciclo que passa. Não se estuda devidamente aquilo que é o passado recente para daí extrair lições e tentar promover consensos. Esta é um pouco a nossa sina, o nosso fado.”

Uma vez que os soldados negros não estavam integrados oficialmente no exército português, eram apenas números, vai existir sempre uma parte oculta da Guerra em África?

“Sim, sobre os africanos são apenas conjeturas. Sabemos apenas a dimensão dantesca, pelos documentos administrativos. Há um governador de uma das províncias do Sul, onde muitos homens eram recrutados, que diz ‘foram daqui 25 mil, só chegaram 5 mil completamente depauperados. Onde estão os outros?’. Ninguém sabe, não há resposta para isto. Os outros, como diz o livro do General Gomes da Costa, ‘deixaram os seus esqueletos pintar de branco os caminhos por onde andaram os exércitos portugueses’.

Não se sabe quantos africanos morreram, mas temos o suficiente para sabermos que as chacinas das comunidades que se levantaram contra a ocupação portuguesa foram uma coisa absolutamente indizível para aquilo que foram os nossos valores.”

Depois de responder ou procurar respostas para as perguntas que tinha, qual é a dúvida que mais o inquieta agora?

“Há muitas coisas que continuamos a não saber e o livro tem a pretensão de ser uma espécie de começo. Tem a preocupação de mostrar até que ponto aquilo foi uma loucura. Foi tudo um disparate do princípio ao fim. Um absurdo. O livro também quer de alguma forma prestar justiça a essas pessoas que sofreram tanto.

Mas o que me parece ser mais importante é conhecer exatamente qual era o retrato pessoal dos soldados que foram para lá. De uma forma gritante, nós não sabemos quem eram os soldados. São nomes associados a números.

Mas era interessante saber como é que eles regressaram, como é que recuperaram as suas vidas, as sequelas que trouxeram da guerra e as debilidades físicas. Até que ponto lhes dificultou uma vida normal no regresso?

Morreram tantas pessoas. Eu não acredito nos números oficiais – eles dizem que foram dois mil e qualquer coisa. Foram muitos mais! O caos administrativo era tão grande, que nós temos um relato de um oficial, quando a primeira expedição é retirada, que dizia que havia 440 soldados que ninguém sabia deles. E o mesmo oficial diz que os documentos da secretaria da expedição esvoaçavam pelo navio ou serviam para fazer de calço nas mesas.

Portanto, há muitas coisas ainda para explorar. Mas acho que daqui a uns anos vai ser possível nós termos uma ideia muito mais pormenorizada e profunda daquilo que de facto aconteceu. Com isso, acho que nós preencheremos uma das lacunas mais flagrantemente abertas da nossa história contemporânea.”

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