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FILHOS DE ANTIGOS COMANDOS PORTUGUESES QUEREM JUSTICA ECONOMICA


Quando o País mergulhou na guerra - Domingo - Correio da Manhã

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Jorge tinha 12 anos. "As senhoras do Movimento Nacional Feminino chamaram-me a ir à casa mortuária reconhecer, entre corpos esquartejados, o meu irmão. Só quando vi pessoas sem braços nem pernas é que me apercebi do sítio onde estava. Andei lá o dia todo à procura..." As marcas na memória de Jorge Fontinha são frias como o golpe das catanas dos guerrilheiros da UPA (União dos Povos de Angola) que, a 15 de Março de 1961, trucidaram colonos, trabalhadores rurais e dos postos administrativos no Norte de Angola.

O pai de Jorge, que era fazendeiro de café entre Nambuangongo, Zala e Quipedro, estava a preparar - nessa manhã de dia 15 - um carregamento de madeira para transportar para outra fazenda. Fernando, o irmão com 18 anos que tinha tido paralisia infantil, assistia aos trabalhos apoiado pelas duas muletas. Aperceberam-se de movimentações no capim. A governanta, julgando que fossem as galinhas, foi ver. Quando avistou um grupo de guerrilheiros empunhando catanas e paus, correu e mandou toda a gente para dentro de casa. Sem conseguir fugir, Fernando escondeu-se dentro da camioneta. "Deram-lhe duas catanadas: uma na testa; outra no peito" - recorda Jorge, hoje com 62 anos.

Entretanto, os guerrilheiros forçavam a entrada da casa. Heroicamente, um dos homens lá escondidos conseguiu roubar--lhes uma catana, saiu e decapitou um deles - o que fez com que os outros recuassem. O pai de Jorge e os empregados fugiram para a camioneta, onde estava Fernando morto. A caminho de Nambuangongo, já ocupada pelos guerrilheiros da UPA, tiveram que levar à frente os que o queriam parar. Só foram travados e forçados a abandonar a camioneta - e o corpo de Fernando -, quilómetros depois, com a estrada cortada por troncos.

Andaram pela mata até dia 18, quando o Esquadrão de Cavalaria - conhecido pelos ‘Dragões' - os socorreu e os levou para Luanda. Jorge estava na capital à espera do pai e do irmão - a mãe já havia falecido em 1952. Iam passar as férias da Páscoa em família. "Tive um pressentimento mal o meu pai se agarrou a mim a chorar e eu não vi o meu irmão". Jorge passou à condição de refugiado de guerra. "Desde que fui, em Abril, à morgue procurar o meu irmão e não o encontrei, fiquei com uma máscara de insensibilidade. No dia 1 de Maio, na ponte aérea não falei com ninguém. Só três dias depois de chegar a Portugal é que chorei, no colo de uma tia".

TRAGÉDIA ANUNCIADA

"Os massacres de 15 de Março, no Norte de Angola, podiam ter sido evitados. A região ficou desguarnecida de propósito. Salazar queria um pretexto para o início da guerra, queria sensibilizar a seu favor a opinião pública internacional e calar a oposição ao regime". Esta é a convicção do então segundo-sargento miliciano José Moura (hoje com 76 anos), da 3ª Companhia de Caçadores Especiais, que considera ainda que "o assalto à esquadra da polícia e às prisões de Luanda [a 4 de Fevereiro] é um reflexo das operações efectuadas [nos dias anteriores] na Baixa do Cassange (Malange)" - onde combateu.

A resposta militar aos massacres de 15 de Março tardou. Só havia quatro unidades de Caçadores Especiais em Angola e um Esquadrão de Cavalaria - os ‘Dragões' - que seriam depois reforçadas por uma Companhia de Pára-quedistas e outras quatro de Caçadores Especiais vindas de Lisboa. Mas só no início do Verão começa a ‘Operação Viriato', a primeira grande manobra militar, que tinha por objectivo expulsar os rebeldes do Norte de Angola e desalojá-los de Nambuangongo, onde a UPA instalara a base da guerrilha. Três Batalhões - o 114 que atacaria pelo eixo central, o 96 desde Este e o 149, a partir do Oeste - convergiam em direcção aos rebeldes. O plano previa que seria o Batalhão 114 a entrar em Nambuangongo, mas o combate ditou uma sorte diferente.

VINGANÇA

José Figueira foi um dos militares que participou na operação. À chegada a Luanda, a 14 de Maio de 1961, o alferes miliciano tinha 22 anos e nada sabia da guerra. Era um miúdo, um entre milhares chamado a combater no Ultramar. Foi através de um lote de fotografias, mostradas pelo director do jornal ‘Comércio de Luanda', que conheceu a guerra pela primeira vez.

"Todas as imagens mostravam brancos mortos pelos terroristas. Os cadáveres estavam em muito mau estado. Sabíamos que eles tinham sido cortados, serrados como madeira, estropiados. Sabíamos que as casas onde moravam ainda tinham o seu sangue, que tínhamos de os vingar. Isso serviu de incentivo para os homens, porque eu disse-lhes: ‘Estão a ver o que aconteceu? Não podemos tolerar isto, pois não?' Foi aí que a guerra começou para nós". O plural refere-se ao Batalhão de Caçadores 96 - comandado pelo famoso comandante Maçanita, a quem as tropas chamavam de ‘paizinho'.

A unidade só soube que ia tomar Nambuangongo quando já estava no rio Dange. O caminho foi difícil: "Os gajos faziam buracos de tal forma que lá dentro cabiam viaturas e no fundo estacas afiadas para ver se a gente caía. E isso veio trazer-nos uma carga de trabalhos embora levássemos o alferes Jardim Gonçalves (futuro banqueiro) e um pelotão que cobria esses buracões. Nós íamos com secções apeadas fazer o tiro marchante para um e outro lado da picada".

A caminho de Nambuangongo sofreram o maior ataque de que José, na guerra conhecido como o homem da granada - andava sempre com uma no bolso - tem memória. "No Mucondo, a 29 de Julho, eram cinco da manhã e estava quase tudo a dormir. Eu ouvi um estalinho e pedi ao sentinela para acordar a malta. A sorte foi que na véspera tínhamos levantado uns seis metros de arame farpado, que estava ligado a um gerador. Estávamos longe de imaginar que 450 homens se escondiam na mata prontos para nos atacar. Preparámos as metralhadoras, os morteiros e começámos a varrê-los. E eles, que não contavam com o arame farpado, acumulavam-se ali mortos, aos nossos pés. Houve dois que tentaram agarrar as metralhadoras que os nossos tinham largado no meio da confusão e um que ficou sem cérebro depois de levar um tiro na cabeça. Foi a primeira vez que vi uns miolos a saltar".

O Batalhão chefiado pelo tenente-coronel Armando Maçanita foi o primeiro a chegar a Nambuangongo, chegando muitos dias antes do Batalhão 114.

A poucos quilómetros dali, o alferes de Cavalaria Manuel Monge, acabado de sair da Academia Militar, fazia também o baptismo de fogo na sua primeira comissão em Angola. À chegada, em Julho, juntou-se à Companhia local dos ‘Dragões'. Veio a tempo de participar na ‘Operação Viriato', onde a sua unidade prestou auxílio ao Batalhão 114. Enfrentou os guerrilheiros da UPA, mal armados, mas imbuídos de um espírito guerreiro fora do comum: "Eles avançavam para as nossas tropas armados apenas com canhangulos e catanas. Acreditavam que as balas dos brancos não os podiam ferir. Na altura falou-se que estariam drogados com algum produto fabricado por eles, mas isso nunca se demonstrou". O domínio de Nambuangongo tinha um significado especial para os dois lados do conflito. "Para a UPA, Nambuangongo ficava na capital do antigo reino do Congo, para nós era um ponto estratégico de confluência de várias estradas".

O agora major-general, actual governador civil de Beja, lembra as dificuldades sentidas pelas tropas portuguesas nos primeiros combates: "Usávamos umas espingardas Mauser do tempo da II Guerra Mundial, que tinham de ser carregadas tiro a tiro. E as viaturas blindadas tinham enormes dificuldades em progredir, chegávamos a demorar um dia inteiro a fazer 14 km".

BATALHÃO 114 EM APUROS

O alferes Campos pertencia ao Batalhão de Caçadores 114, que era esperado em Nambuangongo antes de qualquer outro. "Achava-se que por termos o itinerário mais fácil, mais directo, seríamos os primeiros a chegar, além de que éramos considerados o batalhão mais eficaz. Mas os negros parece que também acharam o mesmo e apanharam-nos no caminho. A Companhia de Caçadores 115 ia à nossa frente. Quando recebemos a notícia de que estavam a ser atacados acelerou-se a ordem de partida. ‘Prontos a receber tiros a qualquer momento'" - disse António Nobre Campos aos seus homens antes de partirem para aquele que ficou conhecido como o combate de Quicabo.

A dado momento, a frente da coluna foi atacada e assaltada por vagas sucessivas de combatentes da UPA, com punhais, catanas, fisgas, pistolas artesanais carregadas com ferros em vez de balas. "Em meia hora, a picada ficou pejada de mortos e feridos, de ambos os lados. Lembro-me do Durval, que teve o capacete rachado com uma catanada certeira e outro com as costas abertas por causa de um golpe de catana que lhe abriu uma ferida desde o ombro até ao final das costas, por onde saía o pulmão ao respirar".

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