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A RESPOSTA MILITAR PORTUGUESA AOS MASSACRES DA U.P.A.- ANGOLA


"Guerra é guerra!"

O massacre de 15 de Março de 1961 dá a machadada final nos bons costumes coloniais portugueses. Oitocentos mortos, brancos selvaticamente esquartejados, serrados e incendiados, mulheres e crianças violadas, bens destruídos e a implosão definitiva da paz podre com 500 anos exigiam a resposta que Salazar não queria dar perante a pressão da ONU, dos EUA e de novas nações livres.

É uma das expressões que mais se ouvem na boca dos ex-combatentes: "Guerra é guerra." Poderia ser "quem vai à guerra dá e leva", mas não é isso que dizem ainda hoje, muito pelo contrário, porque o envio de um milhão de militares portugueses para a Guerra Colonial - ou guerra do Ultramar ou em África - parte da premissa de dar muito e levar pouco.

Tudo começa a sério em 1961 em Angola. Há revolta nas plantações de algodão no Cassange, ataques aos portugueses e resposta pronta com a reorganização de companhias militares para executar a repressão. Pouco depois, a 4 de Fevereiro, verifica-se nova acção. Desta vez mais problemática, pois é contra algumas instituições portuguesas em Luanda, de que resultam mortos e feridos. A repressão aumenta de nível e é exigida maior protecção aos colonos portugueses. Mas é o massacre de 15 de Março, perpetrado por movimentos independentistas, que vão obrigar Salazar a mandar avançar para aquela colónia "rápido e em força".

Diga-se que foi mais a comoção popular na sede do império, o continente, que mais obrigou o ditador a agir. Um governante que nunca admitiu que estava perante uma guerra mas antes numa acção policial, mesmo que ela se estendesse nos anos seguintes a mais duas frentes: Moçambique e Guiné.

Não foi de um dia para o outro que os movimentos independentistas se apresentaram ao mundo. Mas, para além de um historial de revoltas, será o 15 de Março de há cinquenta anos que marcará verdadeiramente a existência de um conflito ao verificar-se uma acção violenta e determinada.

À União das Populações de Angola (UPA) foi atribuída muita da autoria do massacre, se bem que já existissem outras organizações como a FNLA e o Partido Democrático de Angola (PDA) no terreno e, a partir de 1961, também o MPLA e a UNITA.

A Salazar, foi exigida uma resposta que salvasse o Império português espalhado pelo mundo. Numa época em que a própria organização das Nações Unidas criticava a política colonial portuguesa e que o presidente norte-americano, o recém-eleito J. F. Kennedy, boicotava abertamente o apoio a Portugal, partilhando o coro de duas dezenas de novos países surgidos após a derrocada dos impérios coloniais francês, belga e inglês.

Para além do cenário internacional negativo, a situação interna de contestação ao regime aumentava e teria em 1961 um ano de grandes actos políticos que abalavam o regime. O desvio do paquete Santa Maria e de um avião da TAP, o golpe de Botelho Moniz e de Beja, a queda de Goa, entre outros casos, infernizaram Salazar no ano de 1961. A guerra em Angola foi a gota de água, uma situação grave que, no entanto, o governante viu voltar-se a seu favor. O povo português uniu-se em sua volta na defesa do Império.

Só meia dúzia de anos mais tarde é que os portugueses iriam começar a contestar a presença militar dos seus filhos em África, num processo em que as colónias se encaminhavam mais para a libertação do que um país que fosse "do Minho até Timor", como queria Salazar. Uma "solução política" era, contudo, defendida por muitos, civis e militares, e o próprio sucessor do ditador, Marcelo Caetano, acreditava que à guerra deveria suceder outro estágio para o império.

Américo Tomás, e outros duros do regime, não partilharam dessa opinião. Milhares de jovens continuaram a embarcar para África enquanto os militares se cansavam de uma guerra sem fim à vista. Por África, a guerrilha fervilhava em todas as frentes.

O massacre

A chacina que vitimou 800 portugueses e africanos de várias etnias determinou o desvio de militares em massa para Angola e uma reorganização mínima das Forças Armadas. No entanto, afirmam sempre os responsáveis militares, para além de um maior recrutamento não se verificou o necessário investimento financeiro no apetrechamento da máquina de guerra. Tal como não aconteceu um fortalecimento da solidariedade, também necessária, entre colonos e militares que deveriam defender as suas vidas e a economia colonial.

A investigação definitiva sobre o que se passou exactamente nesses dias ainda está por fazer, se bem que alguns a tentem realizar. Para o historiador Rui Ramos, houve uma "vietnamização desta guerra" e a visão dos acontecimentos é distorcida por um conflito bastante diferente do nosso.

Para o então ministro do Ultramar, Adriano Moreira, a atitude de Salazar face à guerra não poderia ser outra porque "nasce, vive e é educado num período em que a supremacia ocidental e europeia era absolutamente indiscutível em relação a todas as partes do mundo. Ele é surpreendido pela evolução do mundo".

Recentemente, o casal Dalila Cabrita e Álvaro Mateus publicou um volume - Angola 61 - em que dedica grande parte da sua investigação ao massacre de 15 de Março. Entre as teorias apresentadas está a de que esta chacina "não foi surpresa". Justificam com as conclusões nos documentos e alertas reportados pela polícia, militares e civis algum tempo antes. Assim, apontam, a PIDE já informara através um colaborador enviado a Leopoldville que "dentro em breve, explodirá na nossa terra de Luanda uma grande revolta, pois todos os naturais de Angola estão preparados para o assalto". Dois meses antes, um responsável desta polícia política, dizem os investigadores, informaram o "administrador da circunscrição e o comandante militar de que as actividades da UPA se tinham intensificado junto à fronteira". E indicavam a data de 15 de Fevereiro de 1961 como provável.

Também os colonos aguardavam, explicam os autores, por esta situação anunciada: "Demonstra--o a compra maciça de armas." Angola importara, em 1960, 953 toneladas", seis vezes mais do que em 1959.

Quanto aos militares, acrescentam, a desconfiança também existia: "Os militares tinham previsto o que iria acontecer. E Costa Gomes fez questão de assinalar que, 'entre 1958 e 1961, não se tomaram medidas importantes para prevenir uma guerra no Ultramar, antes pelo contrário." E fazem notar que "finalmente, em 15 de Dezembro de 1960, o Comando Militar de Angola, pressentindo que algo grave poderia vir a acontecer, considerou necessário 'intensificar missões de vigilância e de soberania'".

Os generais Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, que têm estado a fazer a história desta guerra de três frentes e que publicaram um espesso volume intitulado Os Anos da Guerra, não hesitam em retratar Salazar como "um homem cansado", incapaz de enfrentar a situação com uma política de defesa e com "respostas à acção militar (...) sempre insatisfatórias". No livro reproduzem o comunicado publicado dois dias depois do massacre nos jornais de Angola onde se pode confirmar o distanciamento da situação real: "Verificaram--se na zona fronteiriça do Norte de Angola alguns incidentes a que deve atribuir-se gravidade por demonstrarem a veracidade de um plano destinado a promover actos de terrorismo que assegurem, a países bem conhecidos, um pretexto para continuarem a atacar Portugal perante a opinião pública internacional." Da violência do massacre escreve-se apenas: "Sabe-se que há a lamentar a perda de algumas vidas, mas não se conhecem pormenores. As autoridades que procederem a uma rigorosa investigação fornecerão à imprensa mais elementos logo que sejam obtidos. A situação encontra-se inteiramente sob o domínio das autoridades."

Os generais consideram, no entanto, que o ataque foi "uma surpresa completa para os fazendeiros e para os administrativos que viviam na região". Quanto à resposta das autoridades, reportam que "de Lisboa não chega sequer uma palavra de esperança" enquanto "em Luanda foram apressadamente organizados serviços de socorro e de evacuação" a várias regiões do Norte de Angola que "em meia dúzia de dias se transformaram num mar revolto de sangue". As primeiras contas apontavam para a morte, dizem nesta introdução do livro, de "mais de 300 europeus na área de Nambuangongo, outros tantos do Dange ao Quitexe, talvez uns 200 junto à fronteira, no distrito do Congo".

Num dos primeiros trabalhos exaustivos sobre o conflito colonial, A Guerra de África 1961-1974, José Freire Antunes faz uma descrição sucinta desses dias entre 15 e 18 de Março de 1961: "De madrugada, na Fazenda Primavera, perto de São Salvador, grupos de bacongos, empunhando catangas e canhangulos e julgando-se imunes às balas dos brancos, lançam uma ofensiva contra propriedades e povoações na zona de fronteira com o Congo, na Baixa de Cassange, até às cercanias de Vila Carmona. O Norte de Angola é avassalado por uma onda de brutalidade tribal, assassínios em massa, incêndios, destruições e rapina de haveres, violações de mulheres e crianças. Os tumultos espalham-se às plantações de café isoladas, aos postos de abastecimentos e às vias de transporte." A seguir, vários depoimentos mostram a violência do massacre: o "pai que fora espancado com as pernas do próprio filho morto a golpes de catana"; a "inacredidável barbaridade com que foram mortos alguns europeus, serrados vivos numa serra mecânica", entre outros casos. Os culpados são, escreve-se: "rebeldes que foram convencidos por feiticeiros de que podiam matar os portugueses sem perigo e que as terras e propriedades dos brancos ficariam para eles".

Filhos ignoram

O massacre de 15 de Março de 1961 raramente é comentado pelos militares que contam algumas das suas histórias de vida nas páginas que se seguem. Basta-lhes as suas próprias vivências para justificar esses anos de uma vida; o que fizeram lá e o que o Estado português deveria ter feito cá por eles.

Há quem diga que houve três gerações diferentes que foram vingar o massacre original ao longo dos 13 anos de Guerra Colonial. A primeira, entre 1961 e 1965 partiu num contexto de resposta racista. A segunda, de 1965 a 1970, deixou Lisboa preparada para combater com técnica e determinação. A terceira, até à Revolução do 25 de Abril, fez a guerra por obrigação, de forma muitas vezes descuidada e a cumprir uma obrigação que lhes cortava a vida pessoal ao meio, porque estavam já empregados, saíam da universidade ou tinham filhos.

Deste universo de um milhão de homens que foi à guerra num outro continente existe um denominador demasiado comum: a sua experiência em África foi silenciada no regresso. São poucos os militares que contaram o que sofreram/fizeram na guerra aos filhos e, na maior parte deles, só a mulher partilhou de algum conhecimento. Mais estranho é que o relato ultrapassou uma geração e só os netos tiveram direito a escutar o que o avô sofreu/fez durante a comissão em Angola, Moçambique ou Guiné.

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