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A HISTÓRIA DO B.C. Nº 21 - CONTADA POR QUEM POR LÁ ANDOU. LEIAM E NÃO VEJAM SÓ O DOCUMENTÁRIO......


A GUERRA DO ULTRAMAR, ESCRITA POR QUEM A COMBATEU

Iniciamos hoje a publicação de uma série de relatos sobre situações envolvendo combate no antigo Ultramar português. Factos reais, bem descritos, por vezes duros de ler, de alguém que sentiu necessidade de os contar. São textos curtos mas do nosso ponto de vista constituem um grande contributo para se entender muito sobre a guerra, todas as guerras e esta em concreto. Quem os escreveu apenas quer ser descrito como “um Primeiro-Cabo Pára-quedista“, e porque o conhecemos há muitos anos, respeitamos isso e aceitamos a publicação, que aliás insistimos para dar a conhecer nestas páginas do Operacional. Os factos foram passados em Angola, com militares do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas n.º 21, nos anos 70 do século XX.

Mais de 40 anos depois a experiência real do que foi o combate em África, pela escrita de um antigo Primeiro-Cabo Pára-quedista.

Aqui estamos longe dos considerandos de ordem política e estratégica que consomem – e ainda bem, note-se, são necessários – académicos e estudiosos, nacionais e estrangeiros, sobre a presença militar portuguesa em África. Esta é uma face da guerra, aquela que muitos viram olhos nos olhos, e que mais de 40 anos depois continua viva, por vezes demais, na sua memória.

É a guerra “com as botas no chão” na verdadeira acepção da expressão, a guerra da capacidade técnica individual muito aperfeiçoada nos mais baixos escalões da hierarquia, do espírito de sacrifício nas suas expressões mais dolorosas, da camaradagem, do heroísmo em combate, da dor dos ferimentos sofrido e causados, da sobrevivência e da morte. A dos amigos e a dos inimigos.

Não é fácil encontrar quem tenha experiência de combate real e ao mesmo tempo esteja disposto a escrever sobre os factos com esta sinceridade. Estamos agradecidos ao autor, esperamos com esta publicação dar o nosso contributo para a divulgação daquilo que foi a guerra sob o ponto de vista de quem fez.

Nota: As fotos que acompanham o texto, cedidas por amigos, ilustram situações de guerra reais das Tropas Pára-quedistas em África mas não têm outra ligação directa com estes relatos escritos.

Este é mais um contributo para a divulgação do que foi a Guerra do Ultramar, longe das considerações políticas e estratégicas. Aqui é a guerra dos executantes nos escalões mais baixos da hierarquia.

…No meio do caos, o radio-telefonista não conseguira montar o equipamento e chamar o helicóptero para a evacuação do ferido. Fomos cercados por um grupo enorme de guerrilheiros.

Ouvíamos as ordens dadas por apitos e as palavras de incentivo dos seus chefes. -Agarra à mão! Vão morrer todos! Filhos da puta querem roubar Angola!

O meu grupo formado em círculo mantinha-se coeso e disciplinado, não disparávamos sem ter alvos. Esperávamos que eles se aproximassem.

O barulho era ensurdecedor, assim como o cheiro a pólvora. As rajadas de armas de tiro tenso eram contínuas, cortavam os ramos das árvores por cima de nós e os impactos dos projécteis levantavam areia em nosso redor.

Deitados de bruços naquela terra quente, os minutos pareciam horas! Quantas dúvidas e perguntas fazíamos a nós próprios. Vou ser ferido? Vamos conseguir sair daqui? Estou a fazer segurança para a frente será que os que estão por trás de mim estão a segurá-los?

A algazarra com gritos intimidantes continuava: – Agarra à mão, vão morrer todos…

A certa altura, ouvimos rajadas curtas e continuas, efectuadas por uma das metralhadoras HK-21 que equipavam o nosso grupo.

O apito e as ordens deixaram de ouvir-se, continuávamos a ser fustigados pelo fogo das armas inimigas.

Quase tão rápido como começou o ataque terminou. Foi quando surgiu novamente a voz de “enfermeiro à frente”. Temos mais feridos, pensei. Era o atirador da HK-21, tinha-se colocado de joelhos a fazer fogo para a zona de onde saiam os apitos e as ordens mais efectivas. Levou um tiro pouco abaixo do ombro. O projéctil não saiu, só se via orifício de entrada. O camarada sangrava pouco e estava consciente.

O radio-telefonista conseguiu então montar o rádio para pedir a evacuação dos feridos e relatar o sucedido ao oficial de operações.

Uma secção ficou a defender os feridos e as outras duas foram procurar vestígios do inimigo, encontraram sangue e sinais de que também haviam sofrido baixas.

Não me perguntaram como morreu o prisioneiro que estava à minha guarda. Teria respondido que o tinha olhado nos olhos e pensado que ele tinha sido fiel à sua causa, levando-nos para a morte. Que ouvi dois tiros quase simultâneos e o vi morrer instantaneamente…

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