OS MÁRTIRES DE "CHÃO MANJACO" A TRAIÇÃO, CONSEGUIU VENCER E CONVENCER TRÊS ALTOS QUADROS D
Morte dos 3 Majores e 1 Alferes 1970 - Operação Chão Manjaco Guiné -
Na parte guerreira, vários oficiais fuzas, todos eles recheados de condecorações por bravura em combate. A seguir ao almoço, havia sempre um convívio relax no bar de oficiais, onde dava para se descontraírem as conversas, pondo-se a escrita em dia enquanto se bebiam uns (infindáveis) digestivos. Não me diziam grande coisa os oficiais de combate. Com eles, as histórias andavam por repetição de feitos em golpes de mão ocorridos algures. Ainda por cima, agora tinham pouco para contar, porque a zona estava tranquila e as operações especiais eram só de quando em vez para os casos de haver informações de movimentos entre bases da guerrilha ou de infiltração desta nalguma aldeia. Até se mostravam um pouco nervosos com a inércia a que estavam amarrados. Um dos dois tenentes fuzileiros (ia na terceira comissão na Guiné, sempre como voluntário) dizia até que, se aquilo continuasse assim, não queria mais Guiné e ia mas era oferecer-se como voluntário para o Vietname. Ele gostava e queria guerra. Ambos os tenentes fuzileiros (Brito e Benjamim) haveriam de fazer, mais tarde, outras guerras em serviço spinolista como a célebre sublevação de 11 de Março de 1975 e, depois, entrariam nas operações do MDLP sob a direcção de Alpoim Galvão. Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos. O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no “chão manjaco”. Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas. Apenas com mais suor que aquele que tinha levado na ida. Mas sem rolas, porque faltara pachorra para caçadas. Passado pouco tempo, desterraram-me para o Sul da Guiné, onde a guerra era bem mais quente. Efeito subsidiário da pena de prisão de três dias que apanhara por me ter recusado a cumprir a ordem de um Tenente-Coronel para bater num Cabo. Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade). O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores. Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo. Toda a guerrilha do PAIGC, no 'chão manjaco' e noutras zonas do norte, 'nha decidido'render-se e passar para o lado do exército colonial. Era a cereja no cimo do bolo. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros vestirem logo que chegassem a Teixeira Pinto e estava tudo tratado sobre patentes e instalações das famílias. Cada antigo guerrilheiro teria casa e comida e o soldo correspondente à sua nova patente e em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do General Spínola. Precisamente na altura em que quase toda a gente considerava a guerra na Guiné como já perdida. Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em plena mata, junto a Pelundo, mas os oficiais portugueses que fossem receber os guerrilheiros teriam de comparecer desarmados. Como prova de confiança. Várias fontes confirmam que Spínola quis ir em pessoa presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC foi constituída pelos Majores e meus amigos Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos. Foram ao encontro dos guerrilheiros, ultraconfiantes, sem armas, num jipe vulgar e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso iminente. Chegados ao local de encontro, os três majores foram retalhados a tiro de kalashnikov e acabados de matar à catanada. Sem dignidade e com requintes de barbárie. Spínola, o seu estado-maior e os majores tinham-se enganado sobre o PAIGC. A manha e a paciência dos guerrilheiros tinha sido maior que as tecidas pelas melhores inteligências do exército colonial e da Pide. Spínola perdeu os seus três melhores oficiais na Guiné de uma única vez. Eu perdi três amigos. Sem honra nem glória. Dos pormenores que gentilmente me relatou desta trágica ocorrência, constatam-se, por vezes, uma ou outra ligeira divergência ou omissão nas diversas crónicas sobre o assunto. Referiu-me: (i) Chegarem ao local, o jipe com os 4 oficiais foi "esburacado" com dezenas/centenas de tiros. Surpreendidos, os oficiais envolveram-se em luta desesperada e como que a quererem interrogá-los para esta conduta. Aí, o confronto desenrolou-se à catanada. A um dos majores foi, sanguinariamente, cortada a cara e o seu tio foi neutralizado com uma catanada no estômago. O outro major ainda conseguiu fugir mas foi apanhado 200/300 metros à frente. or fim deram, a cada um, um tiro na cabeça. (ii) No dia seguinte, foi Ramalho Eanes que procedeu ao levantamento dos corpos. Li algures que esse levantamento teria sido feito for forças da CCAÇ 2586, sob o comando do Ten-Coronel Romão Loureiro. Como tem uma relação de amizade com o Gen Ramalho Eanes, se se proporcionasse, talvez pudesse averiguar isto, assim como tentar localizar (através do Google Earth) o sítio exacto (na picada Pelundo-Jolmete) onde terá ocorrido este acontecimento. Seria uma informação importantíssima para esta memória da guerra da Guiné. Seria nas proximidades do Pelundo ou de Jolmete ? (iii) Também uma referência a Spínola que não compareceu a este fatídico encontro, não por prévia intuição ou aconselhamento, mas porque dois dias antes tinha sido chamado a Lisboa, por Marcelo Caetano. (iv) Referiu-me o seu pai (Professor Primário Aposentado) que o irmão (leia-se Major Pereira da Silva) quando foi para este derradeiro encontro (o décimo, creio eu) teve um pressentimento que algo de mau ia a acontecer e deixou escrita uma carta à esposa com esse presságio. A carta viria depois a ser entregue à sua tia juntamente com o restante espólio. Seria também interessante saber se a viúva estaria concordante com a sua publicação ou apenas a parte onde refere esse sinal de mau prenúncio. É um documento relevante, pois pode ter um significado mais profundo relativamente ao desenvolvimento da Operação Chão Manjaco. Também o seu pai me referiu a possibilidade de me enviar, por seu intermédio (e-mail), a fotografia do Major Joaquim Pereira da Silva. Para concluir, aproveito para lhe enviar as fotografias que tirei no cemitério bem como outra em que, através do Google Earth, procuro fazer a sua implantação dentro da Freguesia de Galegos.