Bósnia 1996 -Acidente na Bósnia
A MISSÃO NA BÓSNIA EM 1996 E O ACIDENTE DE 24 DE JANEIRO
A Missão na Bósnia em 1996 Não foi pacífica a decisão de enviar uma unidade de combate para a Bósnia. Muitos defendiam a participação nacional apenas em missões no espaço Lusófono e de preferência com unidades “não-combatentes”.
Pára-quedista português em Sarajevo. Em Janeiro de 1996 Portugal enviou mil militares para integrar a operação na NATO que veio a consolidar a Paz na região. Estava em marcha uma nova época na vida das Forças Armadas Portuguesas e do Exército em particular. Abriu-se uma nova oportunidade para a diplomacia nacional.
Em 1996 um inquérito à opinião pública(*) mostrava claramente esta tendência: apenas 44,7 % apoiava a participação portuguesa na “Pacificação da Ex-Jugoslávia/Bósnia”; a percentagem subia para 60,5% no caso de um envolvimento em Angola ou Moçambique; e mais ainda, 64,7%, para o caso de Timor-Leste. Na Assembleia da República, os partidos de esquerda estavam frontalmente contra (alguns chegaram a fazer manifestações nesse sentido aquando da partida dos militares) e mesmo personalidades com intervenção pública, muito longe desta área política, se opunham a este envolvimento na Europa: Cavaco Silva, Loureiro dos Santos, Nuno Rogeiro, só para citar alguns. Assim tínhamos ido para Moçambique com uma unidade de transmissões em 1994 e para Angola com figurino semelhante em 1995, depois alargado a uma unidade logística e mais tarde a um hospital de campanha. Anulada uma prevista missão das Nações Unidas na Bósnia em 1995, a NATO avançava “em força” para a Bósnia com 60.000 militares para calar as armas de vez. A bem ou a mal. Portugal que tinha disponibilizado um batalhão para tal missão na ONU, manteve essa unidade na missão da “Implementation Force” (IFOR) da NATO. Esta força era constituída por: Destacamento de Ligação às estruturas multinacionais nas quais nos iríamos integrar (uma brigada de comando italiano – Brigada Multinacional Sarajevo-Norte – que por sua vez dependia de uma divisão de comando francês – Divisão Multinacional Sudeste), com 21 militares; Destacamento de Apoio de Serviço que apoiaria logisticamente todo o contingente com um efectivos de 225 militares, organizado em comando, 1 pelotão sanitário, 1 pelotão de comunicações, 1 pelotão de manutenção e 1 pelotão de comando e serviços ; o DAS foi sendo reduzido mas manteve-se na Bósnia até Dezembro 1996. 2.º Batalhão de Infantaria Aerotransportado, com 678 militares, organizado em comando e estado-maior, 3 companhias de atiradores, 1 companhia de apoio de combate e 1 companhia de comando e serviços. Isto totalizava 924 militares, quase integralmente constituído por pára-quedistas vindos da Força Aérea 2 anos antes, umas dezenas de comandos que se tinham juntado à Brigada Aerotransportada Independente depois da extinção do Regimento de Comandos em 1993 e haviam feito o curso de pára-quedismo militar, e alguns especialistas de outras armas e serviços do Exército, a esmagadora maioria no DAS. Duzentas viaturas, 26 das quais blindadas, serviam esta força. A Força Aérea apoiou esta força com aviões C-130 em voos regulares de sustentação Lisboa/Sarajevo, manteve durante um curto período um C-212 AVIOCAR em Itália também no âmbito da IFOR e enviou um Destacamento de Controlo Aéreo Táctico, composto por 8 militares, que apoiava no terreno o 2.º BIAT. A Marinha apoiou a missão com uma viagem, em Maio, do NRP “Bérrio” para o porto de Ploce no transporte de mais viaturas e cargas pesadas que se vieram a revelar necessárias. O batalhão português, integrado na brigada de comando italiano, assumiu a responsabilidade por um sector que abrangia territórios de ambos os lados da “linha de separação”. Na República Sérvia da Bósnia, instalou o comando em Rogatica, e quartéis em Kukavice (transitoriamente) Ustipraca e Praca. Na Federação Croato-Muçulmana ocupou quartéis em Sarajevo e Vitkovici (Gorazde).
O comando da Brigada Multinacional Sarajevo-Norte, junto ao estádio olímpico de Zetra, no inicio de 1996.
A missão genérica da força portuguesa consistiu na criação do ambiente de segurança que permitisse a aplicação dos acordos de paz. E isto traduziu-se na prática pela ocupação efectiva da zona de separação estabelecida para as duas entidades presentes na região (sérvios e muçulmanos), na gradual implementação da liberdade de movimentos para pessoas e bens em toda a região, na verificação do cumprimento das regras estabelecidas para o armazenamento de armamentos pesados e ligeiros e ainda prestando algum apoio de carácter humanitário. No total participaram na missão IFOR (até Dezembro de 1996) 1.695 militares do Exército e 45 da Força Aérea.
Unidades participantes Exército: 2º Batalhão de Infantaria Aerotransportado/BAI (Jan a Ago96) Mobilizado pela Área Militar de S. Jacinto, CTAT/BAI Tenente-Coronel Pedro Manuel Moço Ferreira Destacamento de Apoio de Serviços/BAI (Jan a Dez96) Mobilizado pelo Comando das Tropas Aerotransportadas/BAI Tenente-Coronel Luís Augusto de Noronha Krug Major José da Fonseca Barbosa 3º Batalhão de Infantaria Aerotransportado/BAI (Jul a Dez96) Mobilizado pela Área Militar de S. Jacinto, CTAT/BAI Tenente-Coronel Fernando Pires Saraiva Força Aérea: Destacamento de Controlo Aéreo-Táctico (Mar a Dez96) Mobilizado pelo Comando Operacional da Força Aérea Capitão Fernando Costa Capitão Dias da Silva C-212 “Aviocar”(Jan a Abr 96) Pertencente à Esquadra 502/BA 1 1º Destacamento: Major José Carlos Faria Antunes 2º Destacamento: Capitão Albano José Maia Gomes Ribeiro 3º Destacamento: Capitão Rui Mendes Maria
O Acidente de 24 de Janeiro de 1996 Pela polémica que levantou na altura e pelas dúvidas que permaneceram aqui se deixa um resumo, o mais fiel que até hoje se conseguiu apurar, dessa brutal noite de Sarajevo. Quando o acidente se deu a missão das Forças Armadas Portuguesas na operação da NATO naquele território estava nos seus primeiros dias. Parte importante do contingente ainda não tinha partido de Lisboa e outros estavam na Croácia (Ploce) a aguardar transporte para a Bósnia. Em Sarajevo estavam apenas o DL e uma dezena de militares do DAS a que pertenciam as vítimas; em Rogatica um pequeno grupo avançado do Batalhão. O impacto mediático foi brutal e estava criado um ambiente capaz de provocar graves danos à imagem de Portugal no estrangeiro e dar razão aos que internamente se opunham a este envolvimento. O contingente reagiu de forma exemplar e a missão tomou o seu curso. Este destacamento avançado do DAS, constituído por 10 militares, estava em Vogosca (arredores de Sarajevo) a limpar umas semi-destruídas e abandonadas instalações fabris. Essencialmente tratava-se de desobstruir espaços de destroços e entulhos e garantir “um tecto” minimamente protector da neve e chuva na área destinada a parte da componente logística das forças portuguesas e também italianas. Tratava-se de uma antiga fábrica de automóveis que ficava mesmo sobre a antiga “linha de confrontação” e tinha sido muito atingida pela guerra. Os militares do DAS limparam este espaço com as mãos e as poucas ferramentas disponíveis na altura, para receber mais de uma centena de camaradas que chegariam dentro de dias. Previamente tinham passado por ali os sapadores italianos em acção de desminagem e tinham dado a zona como “limpa” de engenhos explosivos, condição imprescindível para serem autorizados os trabalhos. Os portugueses encontraram no meio de toneladas de lixo e detritos da guerra algumas “cluster bomblets” (ver imagem) e outros engenhos, munições e invólucros.
“Bomblet” KB-1, idêntica à que matou e feriu portugueses e italianos e 24JAN96. Note-se em comparação com rolo fotográfico, a sua pequena dimensão. Esta munição está nova, em bom estado de conservação, ao contrário da que explodiu.
Nunca saberemos exactamente porquê, mas certamente como “recordação de guerra”, os nossos militares levaram para uma antiga escola transformada em camarata que portugueses e italianos ocupavam, em Zetra (Sarajevo), um destes engenhos. Assumiram-no como já rebentado dado o seu aspecto deteriorado e de só ter menos de meio cilindro de esferas. Foi ali que se deu o acidente. Segundo as declarações de italianos (o Aquilino Oliveira – sobrevivente ferido – não viu, tinha entrado na camarata e nem ligou ao que estavam a fazer, só ouviu a explosão e depois sentiu os ferimentos), o engenho terá explodido quando alguém ao pretender explicar como funcionaria o accionou, estava nas mãos do Alcino Mouta. Não restam dúvidas no entanto que todos pensavam – dado o seu elevado estado de deterioração e por não estar completo – que o engenho estava inerte. A grande maioria nunca tinha visto tal objecto, também não há dúvida. O folheto sobre minas distribuído pela força multinacional aos militares de todas as nacionalidades que iniciavam a operação, tinha sido feitos ainda no tempo da ONU, e nele constavam 14 tipos de minas diferentes, mas não as “bomblet”. Só depois deste acidente a própria IFOR fez novos folhetos onde elas passaram a constar. Do mesmo modo o “Bosnia Country Handbook” feito para a IFOR em Dezembro de 1995 pelo Departamento da Defesa dos EUA e distribuídos aos milhares pela força (e também pelos portugueses) não falava na “bomblet”. A sua secção 9 – Minas, com 7 páginas (em mais de 400 que tinha o livro) apresentava desenhos de apenas 7 tipos de minas, das dezenas que estavam espalhadas aos milhões pela Bósnia-Herzegovina, especialmente sobre as antigas linhas de confrontação. Muito se especulou depois do sucedido se a preparação dos militares em Portugal fora suficiente? A opinião de um profissional: por mais que se saiba, por mais que se treine, por mais que se antecipe, nas “coisas da guerra” haverá sempre insuficiências e nunca se está totalmente preparado. Apesar do que acima está dito, e subscrevo, há desculpa para se ter recolhido a “bomblet” e, sobretudo, a ter transportado consigo? Não. Foi, obviamente, uma atitude dramaticamente irreflectida e errada. Tal não nos impede de respeitar e homenagear os mortos e os feridos e de pensar que são uma de tantas circunstâncias da vida do militar em operações. Estas mortes constituíram uma tremenda lição inicial que salvou com toda a certeza a vida a outros.
Miguel Silva Machado