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HERÓIS DO ULTRAMAR PORTUGUÊS


A GUERRA DO ULTRAMAR E OS MILITARES A Guerra Colonial provocou, como não podia deixar de acontecer, efeitos de variada ordem na sociedade portuguesa, que se hão-de revelar decisivos, a médio prazo, para a queda do regime. A nível político-militar, logo em Abril de 1961, precipitou a tentativa de golpe de Estado liderada pelo ministro da Defesa Nacional, general Botelho Moniz. O seu fracasso reforçou, nos anos imediatos, a posição de Salazar e dos ultras do regime, «ficando a instituição militar entregue aos generais defensores da guerra em África», como assinala Medeiros Ferreira em, «O Comportamento Político dos Militares». Num plano mais estritamente militar, a intensificação da guerrilha em Angola, o seu alargamento à Guiné, em 1963, e a Moçambique, no ano seguinte, provocou a crescente necessidade de efectivos militares e de graduados para os instruir e comandar. As maiores necessidades fizeram-se sentir sobretudo no Exército e nos postos de furriel, segundo-sargento, alferes e capitão, uma vez que as operações de contraguerrilha são principalmente conduzidas por pequenas unidades. Os primeiros eram na quase totalidade milicianos, e o crescimento contínuo dos seus quantitativos fez evoluir a organização militar de um tipo predominantemente permanente para um modelo semimiliciano, o que teve consequências significativas para o evoluir posterior da situação. Relativamente aos oficiais do Exército do quadro permanente, o principal problema colocou-se na obtenção de capitães para o comando das companhias, uma vez que o acesso àquele posto se processava principalmente através da progressão na carreira militar, e esta era demasiado restritiva e morosa para as necessidades impostas pela guerra. Por força das circunstâncias, os critérios de selecção para ingresso na Academia Militar tornaram-se então mais permissivos e a duração dos cursos, bem como o tempo de permanência em subalterno, foi reduzida a partir de 1965. Mas as expectativas quanto a um maior recrutamento ficaram goradas logo a partir de 1963, dando-se uma inversão da tendência anterior, que culminou, em 1969, com apenas 36 admissões de cadetes, contra 267, em 1962. O Governo procurou ultrapassar este problema através de medidas de aliciamento dos oficiais milicianos, facilitando-lhes a frequência, na Academia Militar, de cursos especiais com duração reduzida que permitiam a entrada na carreira militar. Complementarmente foi criado, em 1969, um novo «quadro especial de oficiais» alternativo ao quadro permanente e, a culminar este processo de obtenção acelerada de comandantes de companhia, decidiu-se a graduação, no posto de capitão, de oficiais milicianos seleccionados durante a frequência dos respectivos cursos. As consequências de todo este processo foram, entre outras, a perda por parte do regime do controlo político e ideológico sobre os escalões intermédios da oficialidade do quadro permanente, a desvalorização do ensino superior militar e da carreira militar, a agudização das contradições e frustrações no interior das Forças Armadas e o agravamento das tensões corporativas entre os oficiais do quadro permanente oriundos de cadetes e os restantes. Mas as consequências da Guerra Colonial na instituição militar cedo ultrapassaram o plano estritamente corporativo, abalando progressivamente a motivação dos quadros, pelo desgaste de comissões sucessivas, o acumular de dúvidas quanto à possibilidade de solução militar e até quanto à própria legitimidade da guerra. Estes efeitos fizeram-se sentir, sobretudo, nos oficiais do Exército, mais em contacto directo com a realidade da guerra africana. A dispersão, o isolamento e o perigo a que permanentemente estavam sujeitas as pequenas unidades favoreceram a criação de relações de maior ligação e proximidade hierárquica, a reflexão crítica sobre a problemática da Guerra Colonial e o surgir de um espírito de maior abertura cultural e política entre os militares do quadro permanente, que vão destruindo os tradicionais princípios da disciplina militar, o idealismo heróico associado à carreira das armas e o mito de uma «Pátria pluricontinental e multirracial do Minho a Timor». Neste processo foi importante a influência exercida pelos oficiais milicianos. Contudo, até final da década, e citando Maria Carrilho em, «Forças Armadas e Mudança Política em Portugal no Século XX», «ao nível das relações civis-militares, algumas tensões que se verificaram não chegam a transparecer publicamente, e as Forças Armadas aparecem aos olhos dos Portugueses como o instrumento que permite a prossecução da política africana do regime».

ASPECTOS DA GUERRA COLONIAL (1961-1975)

Por:

Aniceto Afonso

A guerra que Portugal travou em África entre 1961 e 1974, e que contribuiu de forma decisiva para o 25 de Abril, foi um dos acontecimento mais marcantes da história portuguesa na segunda metade do Século XX.

Entre os antecedentes longínquos dos conflitos coloniais do pós-II Guerra Mundial podemos considerar não só a ideia de libertação vivida pelos contingentes militares coloniais que combateram na Europa, como o facto persistente do mundo bipolar dividido entre as duas superpotências, EUA e URSS, e o ambiente de guerra-fria mutuamente alimentado. A criação das Nações Unidas e a aprovação da sua Carta, onde expressamente se definem, através do capítulo XI, as questões relacionadas com os territórios não-autónomos, contribuiu grandemente para definir o enquadramento internacional da questão colonial. Finalmente, também se tornou um factor decisivo, a constituição do movimento dos não-alinhados, especialmente a partir da Conferência de Bandung em 1955.

Estas condições conduziram directamente ao movimento descolonizador, que se iniciou no Extremo Oriente, se propagou para o Médio Oriente e que chegou ao Norte de África, em poucos anos, antes de passar para a África sub-saahriana.

A estas condições gerais devemos acrescentar, como factores condicionantes da política e dos conflitos coloniais, algumas especificidades relacionadas com Portugal. Por um lado, foram importantes os reflexos da criação da NATO e da presença de Portugal como país fundador, em 1949; por outro, a integração do “Acto Colonial” na Constituição Portuguesa, em 1951, com a designação “Do Ultramar Português”, a publicação da nova Lei Orgânica do Ultramar Português em 1953, e a entrada de Portugal na ONU em 1955 acabaram por condicionar muito do que foi a política do Estado Novo em relações às suas colónias nesta época. Também se revestiram de grande importância, os acontecimentos da Índia.

Devemos salientar a relevância desta última questão, tanto pela sua influência na definição da política colonial do regime português, que nunca aceitou separar os casos de cada território colonial, para lhes dar soluções distintas, como por se manter na memória dos militares como marca das relações entre o poder político e as Forças Armadas, que foram transformadas em bode expiatório dos acontecimentos. Nos períodos difíceis da guerra, esta questão tornou-se sempre relevante no seio dos militares.

A guerra colonial desenrolou-se nos territórios de Angola, Guiné e Moçambique, no período de 1961 a 1974. Estiveram em confronto as Forças Armadas portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação de cada uma daquelas colónias. Os movimentos de libertação que especialmente se opuseram a Portugal em cada um dos territórios foram os seguintes: em Angola, a UPA, União dos Povos de Angola, depois transformada em FNLA, Frente Nacional de Libertação de Angola; o MPLA, Movimento Popular de Libertação de Angola; e a UNITA, União Nacional para a Independência Total de Angola. Na Guiné, o PAIGC, Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Em Moçambique, a FRELIMO, Frente para a Libertação de Moçambique.

Não parece desajustado que comecemos o estudo deste conflito por uma breve análise do ano de 1961 e dos acontecimentos que marcaram este primeiro ano da guerra.

Ainda no final de 1960, a Assembleia-Geral da ONU aprovou, por grande maioria, três resoluções muito importantes: a resolução 1514 (XV), conhecida como “Declaração Anticolonialista”, a resolução 1541 (XV), com a definição de território não-autónomo, e a resolução 1542 (XV), enumerando, como territórios não-autónomos, todos os territórios coloniais administrados por Portugal.

Mas o ano de 1961 seria de facto demolidor para o regime. Podem salientar-se alguns acontecimentos de maior relevância.

Logo em Janeiro, a repressão dos trabalhadores da Baixa do Cassange, em Angola, acontecimento que ficará para sempre ligado ao início da revolta das populações; a posse do presidente John Kennedy, nos Estados Unidos, que mudaria o sentido da sua política externa no que respeita ao movimento descolonizador, criando imensas dificuldades diplomáticas ao regime português; e o assalto ao paquete “Santa Maria”, por Henrique Galvão, que ficou sempre como um símbolo da oposição ao regime de Salazar.

Depois, em Fevereiro, a revolta de Luanda, iniciada no dia quatro, que virá a ser considerada como o despontar da luta armada neste território.

Em Março tem início a revolta do Norte de Angola, com imensas vítimas entre a população branca e os trabalhadores oriundos de outras regiões de Angola.

Segue-se, em Abril, a tentativa de golpe de Estado conduzida pelo ministro da Defesa, general Botelho Moniz, rapidamente anulada por Salazar, mas que ficou sempre na memória militar (ou pelo menos de alguns militares), como sinal de oposição à política colonial do regime.

Já em Agosto, é de assinalar a ocupação de S. João Baptista de Ajudá pelo Daomé (actual Benim).

Finalmente, em Dezembro, ocorreu a invasão dos territórios da Índia Portuguesa por forças da União Indiana.

Entretanto, a guerra instalou-se em Angola, por muito tempo.

Os primeiros incidentes ocorreram no norte de Angola em Março de 1961 e estenderam-se depois a mais de metade do território. Estas acções foram da iniciativa da UPA (depois FNLA), do MPLA e mais tarde da UNITA.

Na Guiné, as acções de guerrilha foram iniciadas pelo PAIGC em Janeiro de 1963, com um ataque ao quartel de Tite, no Sul do território, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, embora outras pequenas acções tivessem ocorrido antes. As operações estenderam-se rapidamente a quase todo o território, num contínuo crescendo de intensidade, que exigiu o empenhamento de efectivos portugueses cada vez mais numerosos.

Em Moçambique, a FRELIMO executou a primeira acção em Setembro de 1964, com um ataque à localidade de Chai no distrito de Cabo Delgado, estendendo depois a sua acção ao Niassa, a Tete e ao Centro do território.

Nos três teatros de operações os efectivos das forças portuguesas foram aumentando constantemente em relação com o alargamento das frentes de combate, atingindo-se, no início da década de 70, o limite crítico da capacidade de mobilização de recursos.

QUADRO DE EFECTIVOS DO EXÉRCITO DESDE 1961 A 1975:

Angola

Guiné

Moçambique

Totais Exército

1961

33.400

4.700

11.200

49.300

1962

44.900

5.100

11.900

61.900

1963

47.400

9.600

14.200

71.200

1964

52.500

15.200

18.000

85.700

1965

57.000

17.300

22.900

97.200

1966

55.800

20.800

30.600

107.200

1967

57.400

21.600

34.700

113.700

1968

58.200

22.800

36.600

117.600

1969

55.600

26.600

39.100

121.300

1970

55.200

26.800

38.700

120.700

1971

62.100

29.200

44.500

135.800

1972

60.300

30.000

46.700

137.000

1973

65.600

32.000

51.500

149.100

Marinha e Força Aérea – Cerca de 20.000 efectivos no final da guerra e nos três teatros de operações.

Ao chegar ao final da Guerra, podemos falar de uma relação entre as forças portuguesas e as forças dos movimentos de libertação, que caracteriza o tipo de guerra conduzido nos três territórios coloniais, ou seja, podemos comparar o potencial de combate.

GUERRA COLONIAL - POTENCIAL NO FINAL DA GUERRA:

HOMENS

(a)

AVIÕES

HELIS

NAVIOS

LANCHAS

GUERRILHEIROS

(b)

ANGOLA

70.000

94

45

8

16

11.000

GUINÉ

42.000

39

18

8

13

7.000

MOÇAMBIQUE

57.000

99

36

4

8

6.500

TOTAL

169.000

232

91

20

109

24.500

(a) Efectivos máximos aproximados do Exército, Marinha, Força Aérea e tropas locais.

(b) Estimativas dos serviços de informação militar portugueses

Pela parte portuguesa, a guerra era sustentada pelo princípio político de defesa daquilo que era considerado território nacional, baseado no conceito de nação pluricontinental e multirracial. Pela parte dos movimentos de libertação, a guerra justificava-se pelo inalienável princípio da autodeterminação e independência, num quadro internacional de apoio e incentivo à sua luta. O Estado Novo, primeiro com Salazar e depois com Marcelo Caetano, manteve com grande rigidez o essencial da política colonial, fechando todas as portas de uma solução credível para o problema de qualquer dos territórios. Manteve aliás, como teoria fundamental, a indivisibilidade dos casos, nunca admitindo poder encontrar soluções diferentes para problemas diferentes.

O 25 de Abril de 1974, alterando a natureza do regime político português, alterou também o suporte do empenhamento militar das Forças Armadas portuguesas nos territórios coloniais. Os novos dirigentes de Portugal, ao mesmo tempo que anunciavam a democratização do país, aceitavam naturalmente os princípios da autodeterminação e independência, pelo que as fases de transição foram negociadas com os movimentos de libertação empenhados na luta armada, traduzindo-se, mais ou menos rapidamente, no fim das acções militares envolvendo forças portuguesas. Estas iniciaram desde logo o seu regresso a Portugal, regresso que ficou terminado nas datas previstas nos respectivos acordos, com o reconhecimento da independência de cada um dos territórios.

ACORDOS COM OS MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO:

MOV. LIBERTAÇÃO

LUGAR

DATA ACORDO

DATA INDEPEND.

DATA RECONHECIMENTO

POR PORTUGAL

GUINÉ

PAIGC

ARGEL

26-08-1974

1973

10-09-1974

MOÇAMBIQUE

FRELIMO

LUSACA

07-09-1974

25-06-1975

25-06-1975

ANGOLA

MPLA FNLA UNITA

ALVOR

15-01-1975

11-11-1975

21-02-1976 (82º país)

A guerra em Angola, Guiné e Moçambique foi, quanto aos objectivos, uma guerra subversiva para as autoridades portuguesas e uma guerra de libertação ou revolucionária, para os movimentos de libertação, mas quanto à táctica utilizada, recorrendo ao emprego de meios e processos muito restritos, com forças ligeiras, dispersas e clandestinas, ela deve ser classificada como uma guerra de guerrilhas.

A doutrina militar portuguesa de contraguerrilha começou a desenhar-se antes da guerra se iniciar em Angola, em 1961. O que estava a ocorrer com as forças armadas de outros países europeus envolvidos em conflitos nas suas colónias alertou os militares portugueses para a necessidade de se prepararem para o tipo de guerra que se desenrolava na Indochina, na Argélia, na Malásia e até no Quénia.

Os grandes princípios doutrinários para a guerra de contra-subversão e de contraguerrilha estavam já ensaiados pelos exércitos regulares de outros países europeus e foram adaptados em Portugal através de manuais franceses, de palestras e conferências proferidas em Portugal por oficiais estrangeiros, e ainda pela frequência de estágios no estrangeiro por oficiais portugueses, nomeadamente junto do exército francês na Argélia, onde se deslocaram várias missões militares.

Matérias relativas a esta guerra foram incluídas nos planos de estudo das escolas e institutos militares e foi criado em Lamego o Centro de Operações Especiais para transmitir as novas técnicas aos militares portugueses.

A partir destes conhecimentos e da experiência entretanto ganha em África, começou a ser editado, em 1963, o manual O Exército Na Guerra Subversiva, que se transformou na verdadeira directriz de actuação das forças portuguesas.

Embora tenha sido sobre o Exército que recaiu o maior esforço da guerra, também a Marinha e a Força Aérea procuraram adequar os seus meios e formas de actuação às novas situações. A Marinha reactivou a sua infantaria, preparando unidades de fuzileiros especiais - Destacamentos - com uma organização próxima das forças anfíbias inglesas; e a Força Aérea, que integrara os pára-quedistas, dotou-os de meios e de instrução adequados à guerra de contraguerrilha.

Os movimentos de libertação regeram-se, nos aspectos politico-administrativos para a insurreição, pela doutrina soviética da criação de um país ou zona “santuário”, no qual se instalam os órgãos de apoio e, nos aspectos militares pelos princípios que têm a sua origem no clássico “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu e que foram aplicados com sucesso por Mao Tse Tung e pelo general vietnamita Vo Nguyen Giap e que podem ser resumidos em 4 máximas:

  • Quando o inimigo avança nós retiramos!

  • Quando o inimigo faz alto nós flagelamos!

  • Quando o inimigo tenta evitar a batalha nós atacamos!

  • Quando o inimigo retira nós perseguimos!

Relativamente aos efectivos e meios envolvidos, podemos dizer, em resumo, que a guerra de contraguerrilha exige grandes efectivos e grandes meios, dura muito tempo e o resultado é quase sempre desfavorável aos exércitos regulares.

Para se apreciar a aparentemente desproporcionada relação de forças que existiu entre os efectivos militares portugueses nos três teatros de operações e os efectivos dos guerrilheiros, é necessário compreender que as forças de guerrilha se encontram por toda a parte e não à retaguarda de uma linha de contacto bem definida, são constantemente agressivas e destruidoras, mas que se diluem e se escapam, antes que as unidades dos exércitos regulares tenham tempo de as enfrentar, para reaparecem em breve noutro local. Este desgastante tipo de combate exige um número de combatentes regulares muito superior àqueles que uma análise superficial dos efectivos dos guerrilheiros permitiria deduzir e obriga as forças regulares a empregar processos adequados às características desta guerra em tudo semelhantes àqueles que as guerrilhas utilizam.

A organização e a articulação do Exército Português nos teatros de operações de Angola, Guiné e Moçambique teve de adaptar-se às características da guerra de guerrilhas, que se desenvolvia em superfície, com os adversários espalhados no seio da população e não frente a frente, como acontecia na guerra convencional, e cujo objectivo era a conquista das populações e não a posse de uma dada posição no terreno.

Surgiu assim a necessidade de dispor de um primeiro conjunto de forças dispersas por todo o território, destinadas a guarnecê-lo e a estabelecer e manter o contacto com os habitantes - as forças de quadrícula. Foi num dispositivo de quadrícula, com as unidades a ocuparem determinadas zonas, que assentou a organização das forças do exército português. Para a aplicação deste conceito de organização, os territórios foram, de uma forma geral, divididos em sectores, dispondo estes de órgãos de comando, de unidades operacionais e de unidades de apoio - artilharia, engenharia, transmissões, serviços.

Asforças de intervenção constituíam uma reserva à ordem do comandante a quem eram atribuídas e, em teoria, teria sido conveniente que cada unidade de quadrícula dispusesse de uma unidade deste tipo. Contudo, por motivos que têm a ver com deficiências na instrução, no enquadramento, no comando e na mentalização, tal nunca foi possível e a solução encontrada pelas forças portuguesas foi a de atribuir esta função quase exclusivamente a forças especiais - comandos, pára-quedistas e fuzileiros.

As forças de intervenção foram de início empregues unidade a unidade, companhia a companhia mas, com o evoluir da guerra, passaram a ser utilizadas em unidades de escalão mais elevado - Batalhões de Pára-quedistas e de Comandos, chegando a constituir-se grandes unidades com dois ou mais batalhões para conquistarem um determinado objectivo - Operação “Tridente” (Guiné), Operação “Nó Górdio” (Moçambique), Operação “Ametista Real” (Guiné), recebendo o apoio de artilharia, aviação ou de meios navais.

A Companhia de Caçadores, com cerca de 170 homens organizados em 4 grupos de combate foi, do lado português, a unidade básica da guerra e o Capitão o seu elemento chave. Era uma unidade com capacidade para viver, deslocar-se e combater com grande independência. As Companhias e Destacamentos das forças especiais, embora mais ligeiras, eram unidades equivalentes.

Os movimentos de libertação tiveram por seu lado uma organização muito diferenciada entre si, entre cada teatro de operações e ao longo da guerra. De um modo muito geral pode dizer-se que o Grupo de Guerrilha, de efectivos variando entre os 10 e os 40 elementos foi a unidade base. Estes grupos tomaram a designação de patrulhas, grupos e bi-grupos ao longo da guerra. No entanto, na Guiné e em Moçambique o PAIGC e a FRELIMO constituíram unidades comparáveis aos Batalhões das forças portuguesas, com efectivos da ordem dos 600 elementos, criando ainda estados-maiores complexos com secções de apoio logístico, órgãos especializados de informação, de controlo ideológico (comissários políticos), de propaganda e de administração.

Todos os países europeus com conflitos coloniais organizaram e armaram efectivos do recrutamento local. Portugal levou este princípio a limites nunca antes atingidos. As finalidades deste processo tinham a ver com o objectivo de envolvimento político das populações, com a transferência de baixas e com a diminuição de custos da guerra.

GUERRA COLONIAL – AFRICANIZAÇÃO DA GUERRA:

Angola

Guiné

Moçambique

1961

15%

21%

27%

1965

27%

15%

42%

1970

34%

16%

42%

1973

42%

20%

54%

À medida que a guerra prosseguia, sem que se vislumbrasse um princípio de solução política, ocorreram alarmantes sinais de desgaste das tropas portuguesas, que se tornaram sensíveis desde muito cedo. Entre eles estão a crescente falta de quadros e tropas, para enquadramento de efectivos cada vez maiores, o que teve imediatos reflexos na qualidade da instrução militar. Também a questão do armamento e equipamento português se tornou bem cedo um dos mais difíceis problemas militares, pois a dificuldade da sua aquisição nos mercados fornecedores, dado o crescente isolamento do regime português na comunidade internacional, contribuiu para um desequilíbrio da qualidade das armas, em favor dos movimentos de libertação.

Acresce que a intensidade do conflito não conheceu paragens, sendo cada vez mais largas as zonas abrangidas pela actividade operacional e cada vez mais intensos os confrontos militares, especialmente em Moçambique e na Guiné, onde o Exército português perdia progressivamente a sua capacidade de iniciativa. Toda esta situação se reflectia negativamente no moral e estado psicológico das tropas, dando lugar a um progressivo desânimo e ao questionamento dos fundamentos do conflito.

Um dos índices mais marcantes da intensidade da guerra, com profundos reflexos no moral das tropas portuguesas, foi o número de baixas, em especial os mortos nos teatros de operações.

TOTAL DE MORTOS

Angola

Guiné

Moçambique

Totais

1961

194

-

13

207

1962

203

-

15

218

1963

169

54

41

264

1964

208

126

53

387

1965

234

143

136

513

1966

205

184

229

618

1967

242

211

178

631

1968

265

221

248

734

1969

275

207

354

836

1970

268

180

294

742

1971

212

193

320

725

1972

224

164

362

750

1973

242

215

399

856

1974

82

99

117

298

1974 (Dp.25-4)

235

66

203

504

TOTAL

3.258

2070

2962

8.290

Em conclusão, podemos dizer que as Forças Armadas Portuguesas, para enfrentarem a guerra colonial, organizaram, mantiveram, empenharam e sustentaram, forças de dimensões jamais utilizadas por Portugal. O esforço exigido ao país, em meios humanos, materiais e financeiros, não tem paralelo em toda a sua história. A capacidade das Forças Armadas em se adaptarem, prepararem e actuarem militarmente, também não.

É certo que a base do seu empenho, em especial do seu excessivo prolongamento, pode considerar-se um erro político. Mas não pertencia às Forças Armadas constituírem-se num elemento prioritário de correcção do princípio do seu uso. As Forças Armadas moldaram-se e adequaram-se ao desempenho que lhes foi sendo exigido. Desde logo viram alterados profundamente os princípios doutrinários do seu modelo anterior. Os conceitos da política de defesa no âmbito da NATO adoptados na década de 50, nada tinham a ver com a actuação numa guerra de guerrilhas, feita em três teatros de operações autónomos e profundamente diferentes, situados a milhares de quilómetros uns dos outros e mais longe ainda da retaguarda, constituída pelo território português.

Para enfrentarem o novo tipo de guerra tiveram que adequar e transformar os anteriores princípios estratégicos e tácticos da sua organização, estrutura e actuação. Fizeram-no até limites extremos, arriscando-se a pôr em causa a sua capacidade de recuperação de conceitos não comprometidos com o tipo de guerra que sustentaram durante treze anos.

Finalmente, no limite de subversão da sua própria identidade, prestes a reincidirem na humilhação de serem constituídas em responsáveis únicas de um erro político, souberam criar dentro de si próprias um movimento que pôs a claro o erro do regime. E como o regime fez desse erro condição da sua sobrevivência, não restou às Forças Armadas outra solução que não fosse pôr fim ao regime. As Forças Armadas compreenderam então que o erro da guerra colonial escondia o erro mais vasto da existência do próprio regime.

Texto base de uma conferência efectuada no Arquivo Histórico Ultramarino, em 25 de Junho de 2009

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